domingo, 9 de dezembro de 2012

GOVERNO HERMES DA FONSECA

Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca


REVOLTA DA CHIBATA, LEI DA ANISTIA, GUERRA DO CONTESTADO, TREM-BALA, REVOLTA DE JUAZEIRO, TRANSAMAZÔNICA, VILAS OPERÁRIAS, BNH, MINHA CASA, MINHA VIDA, NOVA ORDEM MUNDIAL. TUDO A VER.

Espaço-Tempo curvo

Contrariando o pensamento de alguns o estudo da História nos permite compreender o presente e planejar o futuro. Entretanto, devemos nos cercar de muito cuidado para não cairmos na armadilha do anacronismo que se constitui num equívoco inaceitável para os historiadores. Cada período histórico reúne conceitos e ideias que lhes são próprias e inaplicáveis em outras temporalidades. Podemos aplicar os valores do presente como uma referência para a compreensão do passado comparando as diferenças conceituais e estabelecendo um diálogo entre os valores vigentes num e noutro período histórico. O caráter analógico de um estudo histórico tem a capacidade de identificar origens e estabelecer permanências, semelhanças e rupturas sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas, etc. Interpretar os fatos exige, além das ferramentas metodológicas adequadas, a busca e um exame minucioso das fontes interrogando-as e questionando-as.  As ações humanas são produtos de seu tempo e espaço, mas suas interpretações não se acham confinadas nestes limites, posto que o historiador também seja um produto do seu tempo e espaço. Ao tratarmos de períodos históricos diferentes não significa que não tenhamos qualquer relação com ele, ao contrário.

João Cândido faleceu em 1969 aos 89 anos

Entre tantos episódios que marcaram a passagem do marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1855-1923) pela presidência da República a Revolta da Chibata é um dos mais marcantes. Logo nos primeiros dias de seu governo marinheiros, em sua maioria negros e mulatos alforriados ou libertos em 1888, eram punidos com chibatadas por qualquer atitude julgada pela oficialidade branca como ato de indisciplina, rebeldia ou negligência. Os marinheiros recebiam tratamento que não diferia daqueles dispensados no período escravagista. O estopim da revolta se deu por conta do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes haver levado bebida alcoólica para uma embarcação oficial e agredido um cabo. Pelas leis da Marinha o máximo de chibatas era de 25, porém, este marinheiro recebeu 250 diante de todos a bordo do encouraçado Minas Gerais. Os marinheiros rebelados mataram a tiros e coronhadas o almirante João Batista das Neves e outros oficiais, além de outros marinheiros que não aderiram à revolta. Em 23 de novembro de 1910 o marinheiro João Cândido Felisberto divulgou uma carta exigindo o fim dos castigos corporais, a melhora na alimentação e a anistia para os revoltosos. Caso contrário, os marinheiros que somavam mais dois mil reunidos nas maiores embarcações da Marinha Brasileira ameaçavam bombardear a cidade do Rio de Janeiro, a partir da baía de Guanabara. No dia 25 de novembro de 1910 o presidente Hermes da Fonseca concedia anistia aos insubordinados através do Decreto 2.280/1910 com a condição que depusessem as armas e dois dias depois com o decreto nº 8.400, pressionado pelo ministro da Guerra, a imprensa e alguns setores da sociedade, revogou a anistia para os amotinados que foram expulsos da Marinha e outros presos, mas poucos sobreviveram. Este episódio foi tão marcante para os militares da Marinha que em 1975 os compositores Aldir Blanc e João Bosco tiveram sérios problemas com a censura do regime militar (1964-1985) com a música “O Mestre Sala dos Mares” que homenageava o marinheiro João Cândido sendo forçados a fazer alterações na letra. A Marinha não toleraria “loas (elogios) a um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais”. João Cândido faleceu aos 89 anos em 1969 como vendedor de peixe na Praça XV no Rio de Janeiro. Em 13 de maio de 2008 o Congresso Nacional, através do PL 7198/02 de autoria da ex-senadora Marina Silva (PT-AC), restabeleceu os direitos de todos os marinheiros envolvidos na Revolta da Chibata. O decreto devolve aos marinheiros suas patentes permitindo que recebam na Justiça os valores a que teriam direito caso houvessem permanecido na ativa. Podemos ver claramente que não é uma prática incomum nos governos republicanos não honrar compromissos assumidos. E o fazem sem qualquer constrangimento. O uso de castigo físico na Marinha já havia sido abolido por ocasião da Proclamação da República, mas no ano seguinte fora reintroduzido. A palavra empenhada, escrita e com a forma de decreto, não foi honrada, mas, afinal, o que é que político brasileiro pode saber sobre probidade, lisura, honra, ética, moral e lealdade? Vejam alguns exemplos.

Marechal Deodoro da Fonseca destrona D. Pedro II

 Deodoro da Fonseca (1827-1892) era leal ao imperador d. Pedro II e ainda assim proclamou a Republica e como primeiro presidente da República (indireto) em 3 de novembro de 1891 dissolveu o Congresso Nacional cercando-o com tropas, prendeu líderes oposicionistas, a imprensa foi censurada e decretado o estado de sítio. Floriano Peixoto (1839-1895) descumpriu o Artigo 42 da Constituição Federal de 1891 não realizando a eleição presidencial por ocasião da renuncia de Deodoro da Fonseca. Manuel Vitorino Pereira (1853-1902), vice do presidente Prudente de Morais (1841-1902), assumindo a presidência devido ao afastamento do titular para submeter-se a uma cirurgia, transfere a sede do governo do Palácio Itamaraty para o Palácio do Catete como se fosse o titular. Getúlio Vargas (1882-1954) é um dos exemplos mais visíveis de rupturas, populismo, centralização, autoritarismo, censura, fisiologismo, nepotismo, perseguições, clientelismo, etc. como também foi marcado por transformações significativas. Deposto Vargas em 1946 assumiu José Linhares (1886-1957), por convocação das Forças Armadas, que em pouco mais de três meses nomeou um grande número de parentes que a irreverência popular bem rimou: “Os Linhares são aos milhares”. Para cumprir-se a Constituição Federal de 1946 e dar posse ao presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) foi necessária à intervenção do marechal Henrique Teixeira Lott (1894-1984) com “um golpe preventivo”. Das muitas medidas e estilo o governo do presidente Jânio Quadros (1917-1992) se movia entre o necessário, o excêntrico e o grotesco e, entre elas, a que reputo de maior gravidade foi condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul um dos líderes da Revolução Cubana Che Guevara (1928-1967). Mas, afinal, o que se pode esperar de um presidente transloucado e candidato a ditador? Os presidentes do ciclo militar não foram, nem de longe, a redenção nacional como se apresentaram (a Redentora de 1964). Ao contrário, escreveram páginas das mais tenebrosas, chocantes e vergonhosas da nossa História. Não podemos negar muitos avanços, porém o preço pago pela sociedade brasileira foi muito alto. Findo o revezamento de generais na presidência o país foi entregue a quem diziam combater, isto é um belo exemplo de incompetência, ignorância, arrogância, limitação intelectual. Destituíram um presidente democraticamente eleito (João Goulart, 1919-1976) alegando, entre outras coisas, de chefiar um governo corrupto composto de comunistas que tentavam implantar tal regime no país e, durante sua permanência no poder não fizeram outra coisa senão pavimentar a estrada que os levariam ao poder. Ao supor que perseguindo, torturando e matando guerrilheiros estavam cumprindo com o seu dever de livrar o país dos comunistas foram tapeados. Uns bocós. Os guerrilheiros eram os bois de piranha enquanto a esquerda pensante ia dominando as universidades, sindicatos, entidades representativas, editoras e, principalmente a mídia (jornais, revistas, televisões, rádios). Quando o regime militar acabou sobrou esta gente que fora gentilmente preservada pelos milicos.  Todos os presidentes eleitos a partir de 1989 primaram pela corrupção, improbidade, desonestidade, ineficácia, inércia, omissão, descaso, irresponsabilidade, conspirações, conchavos, casuísmos, fisiologismos, etc. não havendo esperança alguma de que isso se modifique, pelo menos com “políticos” do calibre que conhecemos. 

Manifestação a favor da Anistia
  
 Não farei a defesa do uso da violência por parte dos marinheiros envolvidos naquele episódio. Apenas considero que, naquele contexto, sem os devidos canais para o diálogo ou obstruídos pelo Estado e por tantos outros motivos a prática contumaz do castigo físico aos marujos vinham alimentando a revolta. A anistia para eles chegou com quase um século de atraso. Rebeldes que reivindicavam o fim das chibatas e uma alimentação decente, pleito mais do justo e necessário.  Ao contrário da anistia concedida pela Lei 6.683 de 28.08.1979 ou, como é mais conhecida Bolsa-Ditadura que contemplou (e contempla) aqueles que pegaram e não pegaram em armas durante o regime militar. Existe um contingente apreciável de “anistiados” recebendo o “benefício” que jamais pegou em armas, jamais disse uma palavra contra a ditadura, jamais foi torturado, jamais desapareceu, jamais foi morto, jamais foi perseguido, jamais foi impedido de exercer sua atividade, jamais teve suas obras censuradas, jamais souberam a diferença entre comunismo e socialismo e jamais terão vergonha na cara. Não estou negando que tudo isto tenha acontecido, apenas que grande parte dos “anistiados” é uma fraude que se alimenta à custa do Erário. E, de mais a mais, nem mesmo aqueles que, comprovadamente, pegaram em armas não o fizeram em defesa da democracia, dos valores éticos e morais, etc. Ao contrário, desprezava tudo isso (e continuam desprezando). Gente como, por exemplo, Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, Tarso Genro, Fernando Gabeira, Franklin Martins e outros que, se algum dia, foram democratas, morais ou éticos então eu sou o coelhinho da Páscoa.  

Os revoltosos da Guerra do Contestado

 Outro episódio muito conhecido ocorrido no governo de Hermes da Fonseca foi a Guerra do Contestado cuja duração estendeu-se por quatro anos e contabilizou mais de vinte mil mortos. As causas do conflito são várias. Havia uma disputa entre os estados do Paraná e Santa Catarina por uma área limítrofe rica em erva-mate e madeira (esta questão só foi resolvida em definitivo em 1917 com a homologação do Acordo de Limites). Os sertanejos ali residentes viviam em extrema miséria e isolamento. Foi necessário que o Exército Brasileiro enviasse treze expedições para acabar com o conflito. Entre os militares que combateram podemos destacar Euclides Figueiredo, 1883-1963, pai do presidente João Figueiredo, 1918-1999, último general a presidir o país no período de 1979-1985; Eurico Gaspar Dutra, 1883-1974, que viria a ser eleito presidente para o período 1946-1950 e Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra que garantiria a posse do presidente eleito Juscelino Kubitscheck em 1956. Mesmo com personagens deste calibre o Clube Militar no Rio de Janeiro denunciou casos de corrupção, desvio de fardamento, alimentos e munição, mas nada foi apurado. E a coisa não mudou cem anos depois. O Ministério Público investiga fraude na folha de pagamento da Força Aérea Brasileira (FAB) depois de descobrir que oito mil militares demitidos nos últimos dez anos permanecem ativos em cadastro interno, inclusive aqueles já falecidos. O número de militares fantasmas chega a 12% do efetivo da Força. O Ministério Público recolheu indícios suficientes para investigar a FAB por crime contra o patrimônio e estelionato. Segundo o MP o rombo pode chegar a R$ 3 bilhões, valor que representa 70% de todo investimento da FAB previsto para 2012. A presidente Dilma Rousseff foi informada da fraude e ordenou uma devassa nas contas da Aeronáutica, mas em segredo. A lambança só foi descoberta porque um grupo de ex-soldados decidiram recorrer à Justiça para tentar reingressar na Força Aérea e foram surpreendidos pelo fato de seus cadastros ainda estarem ativos, apesar de terem sido desligados. Para a presidente da República fraude, corrupção, apropriação indébita, desvio e desperdício de dinheiro público e tudo quanto é patifaria deve ser mantido em segredo para não ferir “suscetibilidades”.


Como em tantas outras situações semelhantes ocorridas ao longo de nossa História a Guerra do Contestado envolve interesses fundiários e políticos, mau planejamento, exploração humana, corrupção, favorecimentos, omissão e descaso por parte do poder público. Os “coronéis” da região (chefes políticos e grandes proprietários rurais) associados ao governo ao iniciarem as obras da estrada de ferro entre os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul por uma empresa norte-americana (Brazil Railway Company) representada pelo empreender Percival Farquhar trouxeram para a região milhares de pessoas oriundas de outras partes do país. A Brazil Railway teve uma subvenção garantida pela União de trinta contos de réis por quilometro construído e mais o pagamento de juros de 6% ao ano sobre o total investido e mais quinze quilômetros de cada lado da ferrovia (como se dizia antigamente um autêntico negócio da China). Percival tratou de “esticar” ao máximo a ferrovia com curvas desnecessárias economizando muito não construindo aterros, pontes, túneis e viadutos. Porém, estas concessões do Estado brasileiro não surpreendem o mais incauto de seus cidadãos. Tomemos como exemplo o projeto do trem-bala ligando Rio-São Paulo. Ao contrário da estrada de ferro de Percival, nesta ferrovia será imprescindível a construção de aterros, pontes, túneis e viadutos. O traçado para o trem-bala deve ser o mais reto possível. Um dos projetos já estudados prevê que 26% do trajeto serão feitos em viadutos ou pontes e 33% em túneis. Quantos aos aterros, um trecho de 61 km, entre Lorena e Jacareí, em São Paulo, caso opte-se por aterrá-lo custará em torno de R$ 265 milhões, mas se a opção for construir um viaduto o valor subiria para R$ 4,2 bilhões. O professor da Universidade de Transportes da China Zhao Jian ao ser perguntado se fazia sentido construir um trem de alta velocidade no Brasil foi categórico: a concentração e densidade populacional são muito baixas e o custo de construção de um trem de 350 km/h é o dobro de um de 200 km/h. Portanto, além de perfeitamente dispensável, de construção dispendiosa e baixíssima rentabilidade irá favorecer uns poucos com o dinheiro do contribuinte como, aliás, é a praxe.

O mato floresce no que resta da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande do Sul

Pessoas relacionadas com a empresa construtora da linha férrea adquiriram grande extensão de terras na região expulsando inúmeras famílias de suas terras com a finalidade de estabelecer uma empresa madeireira voltada para a exportação (Southern Brazil Lumber & Colonization Company Inc., que dispunha de 200 homens, leia-se jagunços, dispostos a pressionar quem quer que fosse). Ao final da obra os trabalhadores trazidos de várias partes do Brasil encontraram-se desempregados e desamparados tanto pela empresa quanto pelo governo. Ingredientes mais que suficientes para a eclosão de uma revolta popular. Uma liderança religiosa apregoava um novo mundo com obediência às leis de Deus, com prosperidade, justiça e terras para se cultivar. Melhor mensagem para os desvalidos não poderia ser tão oportuna. José Maria, o líder, tornou-se motivo de preocupação para os “coronéis” e para o governo que o elegeram como inimigo da República e, portanto, bode expiatório para camuflar a própria incompetência, descaso e omissão do Estado com seus cidadãos. Isto, contudo, não se revela como novidade. O capitão Matos Costa, morto na Guerra, compreendeu o que acontecia e afirmou: “A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança”.

Na estação das chuvas o trânsito é impraticável na Transamazônica

É useiro e viseiro a eleição de bodes expiatórios para encobrir as mazelas governamentais. Por ocasião da abertura da Transamazônica (BR 230), rasgou-se a floresta com prejuízos ao meio-ambiente contabilizados até os dias atuais, recrutaram-se trabalhadores de várias partes do país e também até hoje se espera sua conclusão e pavimentação (na estação das chuvas o trânsito é impraticável) apesar de sua inauguração ter ocorrido há exatos quarenta anos (30.08.1972). Foram, aproximadamente, dois milhões de brasileiros e brasileiras que se sentiram chamados pelo canto da sereia do governo Médici (1969-1974) de “terras sem homens para homens sem terra” e “integrar para não entregar”. A ditadura militar era um primor de slogans ufanistas. “Brasil. Ame-o ou deixe-o”, “Ninguém segura mais este país”, “Este é um país que vai prá frente” e outras baboseiras. O sonho do ditador megalômano custou cerca de US$ 1,5 bilhão sem que fosse concluída. O planejamento e implementação do projeto foi catastrófica. A partir de 1975 o governo sumiu da região deixando a população desamparada, talvez estivesse mais preocupado com a Guerrilha do Araguaia, cuja existência negava e, ao mesmo tempo, mobilizava o Exército e a Aeronáutica para combatê-la. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu a pavimentação da Transamazônica e outras rodovias dentro de um plano ambicioso, o "Avança Brasil", que previa a aplicação de cerca de US$ 43 bilhões na região. Uma parte dos recursos ficou na promessa e a outra parte tomou rumo desconhecido. O ex-presidente Lula também prometeu pavimentar 850 quilômetros até 2011, porém às portas de 2013 e menos de 200 quilômetros receberam asfalto. Hoje a Transamazônica possui apenas um quarto do previsto, isto é, 2.500 km. No dia 19 de novembro do corrente ano cerca de mil trabalhadores fecharam a rodovia Transamazônica e a BR 163 na altura do Km 140 (Ponte Grande), município de Rurópolis, oeste do Pará. O objetivo é negociar com o governo as demandas históricas da região, sempre abandonada pelo poder público. Os agricultores exigem o asfaltamento da Transamazônica e BR 163 (Rurópolis ao Km 30), acesso à energia elétrica, regularização fundiária e revisão das unidades de conservação que sobrepõem assentamentos já existentes, além de políticas públicas nas áreas de educação, saúde e segurança. Portanto, o barril de pólvora está posto só aguardando que se acenda o pavio. As lideranças messiânicas do início da República foram substituídas pelos movimentos sociais e ONGs com a diferença que aquelas eram compreendidas como movimentos anárquicos que punham em risco a República e deveriam ser duramente reprimidas. Enquanto os movimentos sociais e ONGs de hoje são entendidos como organismos legítimos de reivindicações e representantes de segmentos excluídos, mesmo que para isso violem as leis, promovam a desordem, ocupem e depredem propriedades privadas e tudo isso com o beneplácito de sucessivos governos que, cada vez mais, interessa-se pela inversão dos valores, principal elemento para a desorientação da sociedade deformando seus critérios de julgamento e, consequentemente, favorecendo a instalação do caos coletivo.

Padre Cícero

 A candidatura do marechal Hermes da Fonseca deveu-se ao impasse que se estabeleceu entre as oligarquias dos principais estados da federação, São Paulo e Minas Gerais. Para a sucessão de Nilo Peçanha (1867-1924) não se chegou a um acordo e a política do café com leite foi interrompida. São Paulo aliou-se a Bahia lançando Rui Barbosa (1849-1923) recém-chegado da Conferência de Haia e muito popular. Minas Gerais aliou-se ao Rio Grande do Sul lançando a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro da Fonseca e militar respeitado. Após dezesseis anos de governos civis os militares voltavam ao poder pelo voto direto. Hermes da Fonseca enfrentou muitos desafios durante seu conturbado governo. Porém, a política das salvações constituiu-se num fenomenal erro de avaliação, julgamento e estratégia. Visando enfraquecer as oligarquias tradicionais ao beneficiar aquelas de menor importância e que o apoiavam promovendo intervenção nos estados, destituindo governadores e nomeado pessoalmente seus substitutos com o tão conhecido discurso que pregava sanear as instituições republicanas e acabar com a corrupção. Foi um tiro no pé. A política salvacionista fomentou a instabilidade política, provocaram revoltas e rebeliões armadas. Com o objetivo de neutralizar o senador gaúcho Pinheiro Machado (1851-1915), tido e havido como o todo-poderoso da República, seu alvo estava principalmente nos estados do Norte e Nordeste onde o senador tinha grande influência. Ao decretar a intervenção no estado do Ceará os aliados do governador deposto recorreram ao Padre Cícero Romão Batista (1834-1934) que gozava de grande prestígio e popularidade entre os sertanejos que lhe atribuíam milagres sendo convencido a conclamar a população a pegar em armas e revoltarem-se. O presidente Hermes da Fonseca viu-se obrigado a restituir o cargo ao antigo governador devido a exacerbada violência dos combates e o senador Pinheiro Machado saiu fortalecido. Este episódio ficou conhecido como a Revolta de Juazeiro. O presidente Floriano Peixoto já havia se valido da intervenção nos estados para desalojar todos os aliados de seu antecessor. Em 1930, num outro contexto histórico, Getúlio Vargas recorreu ao intervencionismo para assegurar-se no poder. A maioria dos interventores nomeados por Vargas eram membros do movimento “tenentista” e tinha plena consciência de que somente estes poderiam derrubá-lo daí a estratégia de retirá-los dos quartéis transformando-os em burocratas. O governo militar instaurado em 1964 também se serviu do instrumento que ficou conhecido como governadores, prefeitos e senadores “biônicos” (alusão ao seriado muito popular na época “O Homem de Seis Milhões de Dólares” que era meio humano meio cibernético). Após 1985 as intervenções prosseguem, porém de maneira dissimulada, sob outras formas, sem enfrentamentos diretos, mas perfeitamente perceptíveis.

Vila Operária de Marechal Hermes no Rio de Janeiro atualmente

Apesar de todas as situações expostas o governo do marechal Hermes possui alguns indicadores positivos. A malha ferroviária nacional ganhou 4.500 km. A cultura do trigo revigorou-se com a criação da Estação Experimental de Trigo em Bagé. Em 1913 foi criada a Escola Brasileira de Aviação para oficiais do Exército, da Marinha e civis. Mas destacaremos aqui a construção das vilas operárias. O presidente Hermes da Fonseca foi o pioneiro na construção de conjuntos habitacionais no Brasil. A Vila Operária de Marechal Hermes previam serviços de infraestrutura, como a estação de trem inaugurada em 1913, para que fossem autossuficientes. As obras foram paralisadas após o senador Pinheiro Machado remover do cargo o diretor da comissão de construção da vila. Nos anos que se seguiram nenhum governo por elas interessou-se sendo esquecidas até o governo Vargas que retomou as obras em 1931 quando a posse da vila foi ter às mãos do Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União (IPFPU), que encontrou um cenário desolador: 128 casas desocupadas e muitas inacabadas. Nessa fase foram construídas 300 casas, o Cine Lux, hoje em ruínas, e o Hospital Carlos Chagas que, de certa forma, também se encontra em ruínas como, aliás, todo sistema de saúde. Depois disso somente nos anos 1940 e 1950 o bairro recebe novos investimentos do Estado construindo quase seiscentas moradias, um ginásio, uma maternidade e o Teatro Armando Gonzaga. Nesta etapa foram construídos três conjuntos habitacionais (o Comercial, de 1948; o Três de Outubro, em 1949 e o do Ipase, de 1954). A partir do governo Vargas foi que a habitação passou a ser vista como uma questão social. Criou-se a Lei do Inquilinato e iniciou-se a construção de conjuntos habitacionais financiados através das Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões e da Fundação da Casa Popular, primeiro órgão federal específico voltado para a produção da moradia popular. Mesmo frustrada a política habitacional os conjuntos construídos eram de excelente qualidade, com propostas urbanistas de vanguarda e valorização do espaço público. Como já foi dito anteriormente o governo Vargas legou ao país avanços importantes, apesar de sua truculência, aleivosia e velhacarias.

Conjunto habitacional construído pelo BNH

Conjunto habitacional construído pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Qualquer semelhança não é pura coincidência.

Em 1964 foi criado o BNH (Banco Nacional da Habitação (Lei 4.380 de 27.08.1964) estabelecendo uma fonte estável de recursos para o desenvolvimento de políticas habitacionais. Porém, não foi lá muito útil. Em 1975 o banco destinava apenas 3% de seus financiamentos a famílias com rendimento abaixo de cinco salários mínimos. A construção de conjuntos habitacionais privilegiava ganhos financeiros e, portanto, os imóveis apresentavam baixa qualidade e o financiamento para os trabalhadores de baixo poder aquisitivo se inviabilizou estimulando o aparecimento e aumento das habitações irregulares. O BNH primou por uma atuação econômica deplorável, abandono da questão social, afastamento do problema habitacional com o direcionamento para outros setores, a repetição de modelos arquitetônicos e a ocupação do espaço urbano sem bons critérios. A questão social deu lugar aos interesses econômicos comprometendo a política habitacional do BNH. Com a extinção do BNH (Decreto-Lei 2.291/1986) suas atribuições dispersaram-se entre diversos órgãos (Caixa Econômica Federal, ministérios e secretarias), os municípios passaram a planejar e executar os projetos de habitação. Ao priorizar o interesse econômico em detrimento da política habitacional o BNH pouco fez para a população de baixo poder aquisitivo onde se concentra o maior número do déficit habitacional. Em 2009 o governo federal implantou o programa Minha Casa, Minha Vida (Lei 11.977 de 07 de julho de 2009) retomando a produção em massa de moradias populares (um milhão de moradias) sem considerar os aspectos urbanísticos, arquitetônicos, regionais, etc. Mais uma vez privilegia-se o ganho financeiro e político-eleitoreiro em detrimento da solução do déficit habitacional. Na faixa de renda familiar de 0 a três salários mínimos o governo subsidia integralmente. No entanto, a maioria dos empreendimentos aprovados estão localizados em cidades e regiões onde o déficit habitacional é menor. Em contrapartida as construtoras concentram suas atenções para as periferias das grandes cidades para a faixa de três a seis salários mínimos. Isso concorre para que o programa deixe de atender o déficit habitacional para as famílias de menor poder aquisitivo. As grandes cidades, onde a demanda por moradias é maior, atualmente não possuem muitas áreas disponíveis elevando o custo das construções para as famílias de baixa renda. Não restando, pois, alternativa senão as distantes periferias ou municípios vizinhos às grandes metrópoles que, por sua vez não dispõe de infraestrutura (água, esgoto, escolas, postos de saúde, segurança, transportes, etc.) e sua construção encarecerá a área.  Depois deste breve resumo pode-se concluir que, decorridos um século da iniciativa do governo Hermes da Fonseca, os problemas habitacionais no Brasil persistiram e avolumaram-se. Hoje possuímos um déficit habitacional quantitativo e qualitativo de, aproximadamente, sete milhões de moradias que abarca, principalmente, as famílias de baixa renda e em áreas urbanas (82,6%). Somente no Estado do Rio de Janeiro as famílias com renda bruta de até três salários mínimos correspondem a 89,9% do déficit habitacional. O programa Minha Casa, Minha Vida pode até ser bom nas intenções, mas de boas intenções o inferno está cheio sem, contudo, encontrar-se com a lotação esgotada. E, como dizia Henry Kissinger (1923-), secretário de Estado dos Estados Unidos, “a História não falará de nossas intenções e sim de nossas ações”. A produção de moradias para as famílias de baixa renda é insuficiente ao longo da História e os motivos são os mais diversos como o considerável crescimento demográfico, migração para centros urbanos incapazes de absorver tamanho contingente, achatamentos salariais, instabilidade econômica, política, etc. Os valores dos subsídios concedidos, os recursos próprios que as famílias têm que desembolsar para dar como entrada nos financiamentos, os altos custos de produção, a baixa renda bruta familiar e o valor do aluguel pago pelos que não têm casa própria são fatores que dificultam a produção e a aquisição de moradias por parte das famílias que têm renda bruta até três salários mínimos, uma vez que os valores máximos calculados para as prestações quase sempre são insuficientes para se adquirir ou construir o imóvel pretendido no valor e prazos máximos estabelecidos pelo programa. Portanto, “o sonho da casa própria” está tão distante quanto estava no inicio do século com a iniciativa pioneira do presidente Hermes da Fonseca.


 Nem mesmo com as lições do passado servem para os sucessivos governos que, deliberadamente, não desenvolvem políticas públicas voltadas para atender as demandas dos cidadãos. Existe uma cidade onde foi construído um conjunto do programa Minha Casa, Minha Vida para a faixa de três a seis salários-mínimos num morro que, segundo consta, está condenado pelos geólogos como impróprio para ergue-se qualquer estrutura. Isso nos remete ao artigo anterior que tratamos da questão sobre o tamanho do Estado e, forçosamente, de sua opção entre privatizar e estatizar concluindo que qualquer solução não reside nestes binômios e sim numa análise criteriosa centrada na relação custo/benefício. As decisões que resultarem desta análise somente poderão prosperar dentro de um ambiente onde a lisura no trato da coisa pública esteja presente. Supor que tal condição seja atendida com a atual classe política brasileira vai além da ingenuidade, é burrice. Contudo não devemos nos acomodar porque isto só os favorece. Enquanto não exigirmos do Estado uma mudança em suas posturas ficaremos à mercê de governantes deploráveis, corruptos, levianos, incompetentes, inertes e omissos como os que já tivemos e ainda temos aliados a uma elite gananciosa, igualmente corrupta e completamente ignorante. Nossa primeira exigência deve ser a adoção de um modelo educacional que possa preparar as próximas gerações para compreenderem que existe um mundo em constante transformação e que exige conhecimentos sólidos para que se possa responder aos seus desafios, necessidades e aspirações e que se estende muito além de seus próprios umbigos. O sistema educacional brasileiro, desde Marques de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo, 1699-1782) tem se revelado um desastre de proporções bíblicas. A mercantilização do ensino tem legado hordas de analfabetos funcionais que, na falta de coisa melhor, acabam por ocupar cargos na administração pública e arvoram-se de especialistas a ditar regras, engendrar mecanismos ineficazes e criar instrumentos idiotas, esdrúxulos e propositadamente confusos erguendo sólidos obstáculos que impedem o crescimento intelectual de nossas crianças e jovens destruindo milhares de inteligências. Um povo sem educação de qualidade está fadado ao fracasso, a subserviência e a mais completa imbecialização. Mas não se iludam, o objetivo é exatamente este: tornar o país vulnerável e, portanto, receptivo as mudanças que a nova ordem mundial vem implementando por todo o mundo e que não são nem um pouco alvissareiras.

CELSO BOTELHO
08.12.2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A REGÊNCIA NO IMPÉRIO E A REPÚBLICA SEM REGÊNCIA



Bandeira do Império Brasileiro 

A superficialidade que os livros didáticos de História tratam do período regencial, que durou quase uma década, é algo que não se justifica. Este espaço de tempo de nossa História é negligenciado sistematicamente negando-lhe a importância merecida. Até mesmo em provas realizadas em concursos públicos é raro se encontrar questões referentes a este período. Ainda bem para os “concurseiros”, pois haveria de eliminar uma quantidade substancial de candidatos. Os acontecimentos deste período foram determinantes para consolidar-se a nação brasileira, manter a unidade territorial, reforçar a monarquia e preparar o terreno para o longo reinado de D. Pedro II.  Não só em História como também em outros campos do conhecimento humano nos deparamos com lendas, mitos, inverdades e distorções das mais diversas e com finalidades muito distintas. A Independência do Brasil é um dos acontecimentos históricos eivado de inverdades e a mais marcante delas é que se deu de forma pacifica. O processo de independência política e administrativa iniciado em 1808 com a vinda da Família Real somente consolidou-se após D. Pedro II ser investido como Imperador e assim mesmo não se deu plenamente. Observa-se que durante a República ocorreram movimentos separatistas. A unidade do território brasileiro foi conquistada a duras penas com o sacrifício de muitas vidas. Florear a História no Brasil é mais do que uma inclinação literária, trata-se do atendimento a interesses políticos e econômicos incrustados nas classes dominantes e o positivismo de Augusto Comte contribuiu magnificamente para isto. A harmonia entre portugueses e brasileiros, escravos e senhores, coronéis e jagunços só existe na imaginação de quem as concebeu. Os conflitos e confrontos são a tônica das sociedades e mesmo elementos imprescindíveis para o seu aprimoramento. Nem no Paraíso houve harmonia, consenso ou submissão segundo narra as Escrituras Sagradas sobre a revolta de Lúcifer.

Balaiada


O retorno de D. Pedro I à Portugal colocou a jovem nação que criara em xeque. O país ainda encontrava-se dividido. Os interesses econômicos e políticos díspares. Neste período de transição estão inseridas as revoltas de Cabanagem (1835-1840, Grão-Pará), Revolta dos Malês (1835, Bahia), Balaiada (1838-1841, Maranhão), Sabinada (1837-1838, Bahia) e a Guerra dos Farrapos (1835-1845, São Pedro do Rio Grande do Sul). As classes menos favorecidas rebelavam-se por todos os recantos do país. Ainda hoje, a despeito de toda tecnologia disponível, recursos materiais e financeiros o Estado brasileiro não chega às regiões mais remotas do país. Mesmo nos grandes centros urbanos a ineficiência, inoperância e inércia do Estado estão presentes cotidianamente. No século XIX a situação das populações ribeirinhas (chamados cabanos) do atual Estado do Pará encontrava-se completamente desassistidas e sem qualquer perspectiva de que viessem a ser atendidas pelo governo central sobrevivendo na mais completa miséria. Para completar a insatisfação a elite local constituída de comerciantes e fazendeiros não aprovara a nomeação do presidente da província pelo governo regencial. Elite e povo uniram-se para promover a independência da província do Grão-Pará e, é preciso que se diga, que cada grupo possuía suas razões. Após cinco anos de combates sangrentos o governo regencial reprimiu o movimento. Os cabanos sobreviventes continuaram tão pobres como antes e a elite... Bem, continuou elite. A Revolta dos Malês (1835, Malê é o termo para referir-se aos escravos muçulmanos) foi constituída de escravos muçulmanos que organizaram-se com propostas radicais para a libertação dos escravos que fossem muçulmanos. A repressão ao movimento foi rápida e violenta. Já a Balaida (esta denominação está ligada aos seus integrantes que fabricavam balaios) foi um movimento popular que se colocou contra o poder de aristocratas rurais que dominavam a região. Os revoltosos lograram êxito em algumas batalhas, porém o governo imperial regencial ganhou a guerra. Foi nomeado presidente da província do Maranhão Luis Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, e o líder do movimento foi enforcado. A Sabinada apresenta características diversas das outras duas revoltas. Seus integrantes eram militares, classe média (profissionais liberais, comerciantes, etc.) e rica da província da Bahia. A denominação Sabinada deve-se ao líder da revolta Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Neste caso a insatisfação com o governo regencial era motivada pelas nomeações políticas efetuadas. A determinação do governo em tornar obrigatório o recrutamento militar para engrossar as fileiras daqueles que combatiam outra revolta no sul do país (Farroupilha) acendeu o pavio para que a revolta explodisse. Nesta revolta identificamos o objetivo de autonomia política e a instalação de um federalismo republicano. O serviço militar obrigatório no Brasil nos dias atuais suscita muitas discussões tanto para suprimi-lo como para mantê-lo e os argumentos são os mais variados. A própria existência das Forças Armadas ou uma redução drástica de seu contingente são objetos de discussões e um dos argumentos mais utilizados está embasado no fato de que as possibilidades do Brasil envolver-se num confronto armado são por demais remotas. Bem, as possibilidades de um asteroide com tamanho suficiente para colidir com a Terra e devastá-la também são remotas, segundo os astrônomos, mas este argumento não os impede de estarem atento para o que acontece nos céus. Portanto, ambas as correntes têm como objetivo o desmantelamento das Forças Armadas tornando o país cada vez mais vulnerável e incapaz de defender-se diante sequer de uma mera ameaça interna ou externa. Este projeto de esfacelar as Forças Armadas está em curso, seu sucateamento é visível a olho nu. No final as tropas enviadas pelo Regente Feijó conseguiram debelar a revolta cercando e retomando a cidade de Salvador com o emprego de muita violência e as casas de inúmeros revoltosos foram queimadas pelos militares fies à Regência. A Revolução Farroupilha caracterizava-se pela oposição ao governo imperial e objetivava a implantação da República. Entre os motivos que se conjugaram para a eclosão do movimento destacamos o descontentamento com o governo, uma maior autonomia para a província, os elevados impostos cobrados no comércio de couro e charque e a facilidade para entrar no país e com preços bem menores destes produtos oriundo de outros países. Este último motivo persiste até hoje com relação à indústria brasileira. Os produtos importados, principalmente da China, concorrem com os produtos nacionais sem que o governo federal adote medidas substantivas para proteger nossa indústria. Mas este fenômeno não se verifica somente no Brasil. No entanto, aqui podemos constatar que a inexistência de políticas adequadas que reduzam e mantenham em patamares aceitáveis o volume de produtos importados como também a excessiva carga tributária desmotiva o empresário, sucateia o parque industrial, desaparecem os empregos e nos coloca estrategicamente numa posição vulnerável diante de um mercado globalizado, exigente e volátil. Observe que as motivações destas revoltas não desapareceram com o passar de mais de um século tanto na aparência como na essência. Uma vez mais Luis Alves de Lima e Silva foi chamado para acabar com o conflito em 1845 a Revolta Farroupilha terminou e, com ela, a República Rio-Grandense desfeita.


 O período regencial pode ser dividido em duas fases. O “Avanço Liberal” e o “Regresso Conservador”. Liberais e conservadores alternaram-se no poder. Devemos lembrar que entre os liberais havia duas correntes. Uma ala moderada e outra exaltada com posturas antagônicas como, por exemplo, desde a manutenção da estrutura monárquica até a defesa do regime republicano.  Quanto aos conservadores eram constituídos de funcionários públicos, militares e comerciantes portugueses. O caos político favorecia a instabilidade econômica e social. Considerando o contexto histórico do período que por ora estamos tratando e todos os empecilhos que lhes são próprios verificamos que podemos estabelecer correntes de pensamento claramente definidas. Ao contrário dos dias atuais onde constatamos a total ausência da mais tênue corrente de pensamento sobre qualquer coisa. E não é só no campo político, mas nas diversas áreas do conhecimento a empulhação é colossal. Os interesses corporativistas e fisiológicos superaram todo e qualquer valor ético, moral e legal. A ferocidade e a voracidade com que se avança sobre o Erário nas últimas décadas é de uma grandeza sem paralelos em toda a História do Brasil, esta é a única corrente de pensamento político e sua prática não implica em nenhuma discrição e, eis o mais lamentável, tais ataques são arquitetados e executados ou por integrantes dos poderes constituídos ou por particulares com a sua total anuência e garantia de impunidade.

Regência Trina Provisória de 1831


Junta Militar de 1969 - "Os Três Patetas"

 O período regencial foi uma época muito turbulenta em nossa História e o risco de fragmentação do território era mais que uma ameaça. Era uma possibilidade real. Quando D. Pedro I abdicou o trono em favor de seu filho o parlamento estava em recesso, então foi nomeada uma regência trina provisória que governou o país entre abril e junho de 1831 (Nicolau Pereira de Campos, José Joaquim Carneiro de Campos e Francisco de Lima e Silva). Neste curto espaço de tempo os prisioneiros políticos foram anistiados, o “ministério dos brasileiros” foi readmitido e o Poder Moderador fora suspenso. A República também teve sua regência trina provisória por conta do impedimento do presidente Costa e Silva e a não aceitação dos militares de dar posse ao seu vice-presidente civil Pedro Aleixo desrespeitando a Constituição que eles mesmos haviam outorgado à nação. Assumiu o governo os ministros das três Forças Armadas que ficou conhecida como “os três patetas”. Neste mesmo ano é eleita uma regência trina permanente que governaria até 1835 com Francisco de Lima e Silva, João Bráulio Muniz e José da Costa Carvalho e podemos apontar a criação da Guarda Nacional (comandada por fazendeiros que recebiam a patente de coronel podendo recrutar e armar homens de 21 a 60 anos com o objetivo de reprimir as revoltas locais, isto fortalecia o poder das elites locais e criava a figura do chefe político nos latifúndios do Brasil, eis ai o embrião da confusão entre o público e o privado), o Código de Processo Criminal (1832), o Ato Adicional de 1834 (modificações na Constituição de 1824 concedendo maiores liberdades as províncias), as Assembleias Legislativas Provinciais, a criação do município neutro do Rio de Janeiro, a substituição da regência trina pela regência una, suspensão do Poder Moderador e do Conselho de Estado. Neste período Diogo Antonio Feijó foi nomeado ministro da Justiça e estava encarregado de sufocar as rebeliões e manter a ordem no país. De 1835 a 1837 encontra-se a regência una de Diogo Feijó e caracteriza-se pela divisão dos partidos políticos. É bom lembrar que nesta época estas agremiações apresentavam interesses minimamente contrários aos da elite. Atualmente os partidos políticos (se é que assim possamos chamá-los) se utilizam de discursos que privilegiem as classes menos favorecidas e atuam no sentido de sufocá-las cada vez mais para atender os interesses da elite. De qualquer maneira os resultados são os mesmos, ou seja, a expansão da base da pirâmide social com uma concentração de renda cada vez mais indecente e o consequente aprofundamento das desigualdades sociais. Também durante este período verificam-se manifestações de oposição ao governo culminando com a renúncia de Feijó. Finalmente temos a última regência una compreendida entre os anos de 1837 e 1840 com Araújo Lima com a criação do Ministério das Capacidades, Lei Interpretativa do Ato Adicional de 1834 (retirava a autonomia que fora concedida as províncias), Golpe da Maioridade, o poder central volta a controlar os órgãos de polícia e justiça, a busca pela centralização e a diminuição das atribuições das Assembleias Legislativas Provinciais e o crescimento nas exportações de café.

Diogo Antonio Feijó

Durante o período regencial Diogo Antonio Feijó é uma figura que se deve destacar. Nascido em 03 de agosto de 1784 em São Paulo. Filho enjeitado de Maria Joaquina Soares de Camargo foi criado pelos tios. Foi ordenado padre em 1805. Foi professor de História, Geografia e Francês dedicando-se também ao estudo da Filosofia. Seu primeiro cargo político foi de vereador em Itu. Foi eleito deputado junto às Cortes Gerais e Extraordinárias de Lisboa entre os anos de 1821 e 1822 e integrava o grupo de brasileiros que se recusou a assinar a Constituição portuguesa. Foi perseguido pela Coroa portuguesa por defender ideias separatistas tendo que se refugiar na Inglaterra. Nas legislaturas de 1826-1829 e 1830-1833 foi deputado geral por São Paulo quando se destacou por defender a abolição do celibato dos padres e criticar contundentemente o governo de D. Pedro I. Logo após a abdicação deste foi nomeado ministro da Justiça cargo que exerceu até 1832 quando renunciou por ocasião da rejeição pelo Senado da proposta de destituição de José Bonifácio de Andrada e Silva da tutoria de D. Pedro II. Em 1833 foi nomeado, por Carta Imperial, senador pela província do Rio de Janeiro. Neste mesmo ano colocou-se frontalmente contra a concessão da apreciável soma anual de 100:000$000 a ser desembolsada pelos cofres públicos à imperatriz D. Amélia conforme constava no contrato de casamento de D. Pedro I por entender que tal contrato era um instrumento particular e nada tinha a ver com os negócios da nação. Este zelo pelos cofres públicos está definitivamente suprimido pela classe política brasileira. Não que a rapinagem seja um mal recente, porém intensificou-se substantivamente da segunda metade do século passado e hoje é entendida como comportamento natural e até necessário ao lidar com a coisa pública, pelo menos no julgamento dos integrantes dos poderes constituídos. Os meios para tomar de assalto o dinheiro do contribuinte sofisticaram-se e são utilizados instrumentos legais que são convenientemente manipulados para viabilizá-los. Feijó também se ocupou com assuntos inerentes a justiça e reforma do Código de Processo no que tange a Habeas Corpus (na época Cartas de Seguro) como também a questões referentes ao meio circulante e moedas de cobre e da fixação dos subsídios aos membros da Assembleia. No ano de 1834 foi eleito membro da Comissão de Estatística do Senado e prosseguiu defendendo a destituição de José Bonifácio e votou contra a anistia aos implicados na revolta dos restauradores em Ouro Preto ocorrida em março de 1833. Em 1835 foi eleito membro da Comissão de Instrução Pública e Negócios Eclesiásticos e também para outra comissão criada para examinar as leis feitas nas Assembleias Provinciais. Quando da discussão sobre a concessão de anistia aos integrantes de movimentos subversivos na província do Rio de Janeiro e Minas Gerais foi enfático em dizer que não desejava ver “que a Assembleia concorresse para a impunidade”. Esta advertência de Feijó jamais foi levada em consideração. Quando se elaborou a Lei da Anistia em 1979 (Lei 6.683 de 28.08.1979) e propuseram o “esquecimento” de parte a parte (militares e integrantes engajados na luta armada) o Congresso Nacional estava institucionalizando a impunidade. Esta lei não apenas isentava os crimes de violação de direitos humanos como também de crimes comuns praticados em ambos os lados. Consagrou-se neste diploma a impunidade. A Comissão Nacional da Verdade instalada pela presidente da República Dilma Rousseff teoricamente foi constituída para apurar os fatos, mas apenas de um lado e, portanto, uma farsa para santificar os subversivos daquela época (nos quais se inclui a própria presidente) e demonizar os militares numa tentativa de abrir caminho para processá-los ou denegrir suas memórias, no caso de terem falecidos. A verdade desta comissão não será diferente da história que já conhecemos e produzida pelos próprios subversivos de outrora. Em 1835 foi eleito regente único pela Assembleia Geral vindo a renunciar em 1837. Em 1839 foi eleito presidente do Senado e, ao final deste ano, uma paralisia no lado esquerdo do corpo o mantivera em São Paulo tendo retornado ao Rio de Janeiro para a coroação de D. Pedro II e em outras poucas ocasiões. Participou da articulação, em 1842, para Revolução Liberal sendo preso em Sorocaba e desterrado em Vitória (ES) sendo posto em liberdade poucos meses depois. No inicio de 1843 apresentou sua defesa ao Senado vindo a falecer no dia 10 de novembro de 1843 antes que fosse promulgada a sentença do processo que era movido contra ele no Senado.


Feijó, na realidade, era um político híbrido ou, caso prefiram, contraditório porque combinava ideias liberais radicais com propostas e práticas políticas conservadoras. Podemos considerar a eleição de Diogo Feijó como a primeira eleição nacional em nosso país para escolher o chefe do Executivo, um regente único investia-se de uma autoridade real. Nesta época não havia partidos políticos organizados, candidatos previamente indicados e tampouco consenso em torno de um programa de governo. Qualquer cidadão poderia ser eleito num pleito de dois turnos. Os votantes (como eram chamados os eleitores) de cada município escolhiam seus eleitores (pessoas indicadas pelos votantes) e estes, em Assembleia em cada capital de província, votavam no nome que consideravam apto para ocupar o cargo. As listas com os votos de cada província eram enviadas ao Rio de Janeiro e sagrava-se vencedor aquele que obtivesse mais votos. Neste sistema eram favorecidos os candidatos que apresentassem melhores dotes pessoais. Assim foi eleito Diogo Antonio Feijó, um cidadão comum, sem tradições familiares, sem dinheiro e sem terras. Feijó reunia todas as condições para não sobressair na vida pública: na Igreja muitos padres o abominavam por opor-se ao celibato, não era um bom orador, com um tom de voz baixo com palavras mal articuladas e com sotaque caipira. Fisicamente também não impressionava. Tinha a cabeça grande, o corpo pequeno e atarracado, mãos firmes. Feijó sequer fez campanha pelo cargo, posto que durante todo o período eleitoral manteve-se retirado em sua província. Sua eleição deveu-se ao fato de ser um parlamentar importante. O Parlamento era tido e havido pelos brasileiros como uma conquista para decidir seus destinos. Nos últimos anos nosso parlamento tornou-se um fardo para os cidadãos, um covil de salteadores, espaço reservado para articular-se em benefício próprio ou dos interesses que ali estejam representando, exceto os do povo. O Legislativo brasileiro tem fornecido motivos irrefutáveis de sua plena inutilidade. Neste local se pode comprar consciências a preços módicos e até em suaves prestações como ficou demonstrado na Ação Penal 470 (Mensalão). As ideias de Feijó pareceram melhores que as dos demais candidatos. O cargo de ministro da Justiça o projetara nacionalmente sendo tido como um homem indispensável para conduzir o país. Coisa semelhante ocorre nos dias atuais onde a maioria dos brasileiros acredita que ao votarem estão sendo representados no Parlamento. A intrincada, perversa e pervertida legislação eleitoral brasileira está comprometida com os mais diversos e escusos interesses políticos e econômicos.


 As analogias entre os acontecimentos históricos que tratamos e os dias atuais neste artigo visam enfatizar que situações hoje presentes no dia a dia não são fatos recentes ou inéditos, mas fazem parte de um processo muito anterior. Fizemos um recorte temporal para exibir um importante período histórico onde as mazelas sociais, políticas e econômicas se apresentam e permanecem latentes; onde o desprezo pelo cidadão, pela pessoa humana, pela vida é patente; onde a boa intenção dos homens não é suficiente para dar conta de todos os problemas, ela deve estar alinhada com as boas ações. O tempo nos afasta do período regencial, porém ele não foi capaz de fazê-lo com relação necessidades, carências e desejos da população que lá encontramos. Guardando-se as devidas e necessárias proporções os problemas surgiram diante das condições miseráveis as quais o povo estava submetido, avolumaram-se com o decorrer do tempo agravando-as e persistem em nossos dias sem que tenhamos alguma perspectiva de ver alguma luz no final do túnel. O populismo (que ludibria, corrompe e manipula) oferece apenas paliativos ou nem isso. As transformações que o país tanto carece somente terão alguma chance de concretizarem-se a partir do momento no qual a população resolva dar um basta aos ladrões, velhacos, mercenários, canalhas e outros patifes que se sucedem na administração do país dilapidando-o, corrompendo-o, locupletando-se e espalhando a dor, a miséria e o sofrimento. E não será através de eleições amparadas por uma legislação capenga, viciada e rococó que tal objetivo será alcançado. Num país onde tudo é prioridade devemos começar pela educação de nossas crianças e jovens estimulando-os a tornarem-se autodidatas estudando assuntos que possam fornecer-lhes uma base mínima para a compreensão e análise crítica da realidade porque, limitando-se a estudar o currículo escolar, estarão – quando muito – restritos à uma compreensão parcial e equivocada, mas que atende plenamente os interesses políticos e econômicos das elites nacionais e internacionais. A República brasileira historicamente está sob a batuta dos mais deploráveis regentes e, por questões de higiene, não irei, neste momento, nominá-los.   

CELSO BOTELHO
13.11.2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012

MAÇONARIA. SOCIEDADE SECRETA OU DISCRETA?



Envolta em inúmeros mistérios a Maçonaria é motivo de muita curiosidade, mitos e lendas. Com o decorrer do tempo o imaginário coletivo atribuiu a ela elementos que jamais estiveram presentes ou, por outro lado, negou outro tanto que são permanentes. Em ambos os casos não é nada difícil detectar-se interesses (nem sempre louváveis) que pleiteiam atendimento, quer gradualmente, quer de forma mais imediata. Uma das teorias sobre a origem da Maçonaria refere-se à construção do Templo de Salomão, por volta do século V antes de Cristo, quando este rei contratara o arquiteto Hiram Abif, mestre em entalhar pedras, que ensinou a poucos privilegiados esta arte. Ao término da obra três artesãos exigiram que lhes contasse os segredos e, diante de sua recusa, foi assassinado, mas tal teoria nunca foi comprovada. Há teses que defendem sua origem no Egito dos faraós ou na Grécia Antiga. Mas foi na Idade Média que se estabeleceu comprovadamente. De acordo com vários historiadores sua origem remonta as corporações de mestres-pedreiros construtores de igrejas e catedrais constituídas na Idade Média (guildas). Porém, de acordo com outros historiadores, a Maçonaria foi influenciada pela Ordem dos Cavaleiros Templários (Soberana Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém), a mais importante ordem religiosa militar do período medieval. De qualquer maneira é uma instituição muito antiga, sólida e muito mal compreendida até mesmo pelos seus mais ferozes adversários.


 Desde a Antiguidade, os construtores que detinham conhecimentos especiais, constituíam uma espécie de aristocracia, em meio das demais profissões. Formavam como que colégios sacerdotais (Collegias Fabrorum). Na Idade Média, os construtores de catedrais e palácios eram beneficiados, por parte das autoridades eclesiásticas e seculares com inúmeros privilégios tais como: franquias, isenções, tribunais especiais, etc. Daí a denominação francesa de franc-maçon traduzida como pedreiro-livre. Ao pé da letra Maçonaria significa Associação de Pedreiros Livres. A Maçonaria só admitia elementos que praticavam a construção. Podemos dividi-la em três períodos, a saber: o antigo ou lendário (primitiva) que abrange todo o conhecimento herdado do passado mais remoto da humanidade até o advento da Maçonaria Operativa; o medieval ou operativo, associação de cortadores de pedras verdadeiros, que tinha como ofício a arte de construção de catedrais, castelos, muralhas etc. e moderno ou especulativo, nesta fase utiliza os moldes de organização dos maçons operativos aliado a ingredientes do pensamento Iluminista, rompe com a Igreja Romana e promove a reconstrução física da cidade de Londres, após ser destruída por um grande incêndio em 1666 tornando-se o berço da Maçonaria Regular. Os pensadores e alquimistas da época, combatidos, perseguidos, presos e mortos buscavam refúgio entre os pedreiros livres, capazes de protegê-los pelos privilégios que tinham. Desta forma temos os Maçons Aceitos em contraposição dos Maçons Antigos, isto é, os construtores. Contudo nem todos eram aceitos após uma sindicância. No século XVI o número de Maçons Aceitos era considerável e predominavam os Rosa-Cruz ingleses. Mas a Maçonaria a partir daí ao invés de erguer catedrais, castelos e edifícios passaram a ter como objetivo a construção do edifício social ideal.

Constituição de Anderson

A partir de 1646 foi organizada uma sociedade com o objetivo de construir o Templo de Salomão, templo ideal das ciências. Elias Ashmole (1617-1692), antiquário, político, oficial de armas e estudante de astrologia e alquimia britânico, obteve permissão para que a sociedade realizasse suas reuniões no Templo Maçônico. De pouco em pouco, os elementos precedentes da Fraternidade Rosa Cruz (Instituição secreta que presumidamente dedicava-se ao estudo do esoterismo, alquimia, teosofia e outras ciências ocultas) passaram a preponderar na Maçonaria, introduzindo nela muito de seus símbolos. Alteraram os rituais, sobretudo a parte referente à iniciação. Inicialmente a hierarquia maçônica estava restrita a aprendiz e companheiro, o título de mestre era concedido apenas aquele que dirigia uma construção. Ashmole criou o grau de Grão-Mestre firmando a hierarquia da sociedade. No final do século XVI a Maçonaria abriu suas portas para qualquer homem de bem que nela desejasse ingressar e é neste momento que nasce a Maçonaria Moderna ou especulativa ou filosófica. Em 24 de junho de 1717 é que se forma em Londres a primeira Grande Loja Maçônica. A partir de 1719 a Maçonaria desenvolveu tendências filantrópicas. Em 1723 foi aprovado o Livro das Constituições maçônicas (Constituição dos Maçons Livres), elaborada por James Anderson (1679-1739), presbítero londrino e diplomado em filosofia, documento também conhecido como a Constituição de Anderson e a maioria das lojas a adotaram. Tal documento propaga uma doutrina humanitária, deísta espiritualista, aberta a todos os cristãos, qualquer que fosse a sua seita, e leal aos poderes públicos. A Maçonaria concede a seus membros a liberdade de culto e exige de seus membros a crença em um único Deus, “O Grande Arquiteto do Universo”, referência ao Criador do mundo material independentemente de uma crença ou religião específica. Entretanto, este conceito não existe no Budismo, posto que para este não exista começo nem fim, criação ou céu, ao contrário do Hinduísmo que em seu texto máximo o Rig Vedas diz que no começo dos tempos o mundo estava submerso na escuridão. De qualquer maneira, com ligeiras modificações, as Quatro Nobres Verdades e os Oito Nobres Caminhos estão presentes na doutrina maçônica. Sua origem medieval está presente em seus símbolos que são instrumentos de trabalho de pedreiros como, por exemplo, o esquadro, o compasso, o prumo, a régua, o nível, etc. Todo maçom deve ter como premissa a construção. Construção do templo da virtude e da verdade, construção de si mesmo, de seu caráter e de sua personalidade. Construção de um mundo melhor.

Papa Clemente XII

O papa Clemente XII (1652-1740) na bula papal denominada In Eminenti Apostolatus Specula de 28 de abril de 1728 acusa os maçons de heresia ameaçando os católicos que da Maçonaria se aproximassem seriam excomungados. Depois desta primeira condenação seguiram-se mais de vinte sendo que a última data de 1902 pelo papa Leão XIII (1810-1903) chamada a encíclica Annum Ingressi onde alertava a todos os bispos um combate eficaz contra a Maçonaria. Na Itália, Polônia, Portugal e Espanha os maçons foram perseguidos pela Inquisição e condenados a morte. A partir disso os maçons passaram a se reunir secretamente obrigando-os a não revelarem sua condição de maçom. A proibição da Igreja Católica de seus fies tornarem-se maçons se respalda, basicamente, na ideia de que a sociedade cultue a divinização do ser humano, porém isso não significa que todos os maçons deem sua adesão a esta doutrina e, considerando que uma Loja não sabe o que a outra está fazendo, a Maçonaria não pode ser considerada como uma entidade unificada nem em escala nacional. Portanto, está longe de se constituir num poder secreto com o objetivo de denominar o país, o continente ou o mundo como querem crer alguns.

Bandeira do estado de Minas Gerais

A primeira Loja Maçônica no Brasil foi fundada em Salvador no ano de 1724. Não se pode negar a participação da maçonaria em momentos decisivos da História do Brasil. Na Inconfidência Mineira a Maçonaria estava presente. Todos os conjurados, sem exceção, pertenciam à Maçonaria: Tiradentes (1746-1792), Thomas Antonio Gonzaga (1744-1810), Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), Alvarenga Peixoto (1742/44-1792/3) e o traidor Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819). Francisco Antonio Lisboa (1730 ou 1738-1814), o Aleijadinho, pertencia à ordem maçônica. Em suas obras podem-se notar símbolos da maçonaria como os três anjinhos formando um triângulo, um dos símbolos da sociedade. A bandeira do estado de Minas Gerais com o triângulo inspira-se no delta luminoso, o Olho da Sabedoria.



D. Pedro I (1798-1834) foi iniciado na Loja Maçônica Comércio e Artes nº 1 do Grande Oriente do Brasil, no Rio de Janeiro, no inicio de agosto de 1822 e no dia 22 do mesmo mês os maçons se reuniram redigindo um documento que declarava a independência do Brasil. Portanto, o grito de independência já estava decidido. Ninguém ignora também que o Brasil já estava praticamente desligado de Portugal, desde 9 de janeiro de 1822, o dia do Fico, articulado pela Maçonaria sob a liderança de José Joaquim da Rocha (1777-1848) foi fundado o Clube da Resistência, o verdadeiro organizador dos episódios de que resultou na decisão de D. Pedro I permanecer no Brasil. A libertação dos escravos foi uma iniciativa da Maçonaria, note-se que os líderes abolicionistas eram maçons (Visconde de Rio Branco, 1819-1880; José do Patrocínio, 1853-1905; Joaquim Nabuco, 1849-1910; Eusébio de Queiroz, 1812-1868; Quintino Bocaiúva, 1836-1912; Rui Barbosa, 1849-1923; Cristiano Otoni, 1811-1896; Castro Alves, 1847-1871). Na Proclamação da República os maçons também estiveram presentes. A República brasileira existe pela aliança da Igreja Católica com uma seção da Maçonaria que estava descontente com o imperador que, por seu turno, era maçom. O primeiro ministério da República, sem exceção de um só ministro, foi constituído de maçons organizado por Quintino Bocaiúva, que havia sido grão-mestre.

Interior Loja Maçônica na Pensilvania, EUA

Interior de Loja maçônica no Brasil


Senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e o ex-governador José Roberto Arruda

Não é adequado identificar a Maçonaria como sociedade secreta, posto que o conceito de secreta nos remeta a algo que não pode ser revelado. Seus locais de reunião e horários são conhecidos, suas propriedades, Constituições, Emendas, Regimentos e Estatutos são registrados em cartório de imóveis, títulos e documentos e publicados em Diário Oficial e sua existência não é negada por seus membros, portanto, não se enquadram na definição de secreta. Contudo, os rituais para a admissão e os sinais para que os maçons se reconheçam são secretos, mas isso pode ser definido como algumas ações reservadas que interessam somente aos seus membros. No vocabulário maçônico moderno a palavra segredo traduz-se por discrição. A Maçonaria não é uma religião ou entidade antirreligiosa, posto que seus membros devam afirmar a crença em um Deus, as Lojas são independentes e algumas se utilizam da Bíblia, do Torá ou do Alcorão em suas reuniões e tal diversidade abre espaço para diferentes interpretações dos símbolos maçônicos. Não é um partido político, pelo menos dentro da definição formal e moderna; também não está caracterizada como uma sociedade de auxílio mútuo, porém quando um de seus membros precisa ser socorrido a entidade mobiliza-se em seu auxílio dentro das possibilidades de seus membros. Porque, caso fosse, então haveríamos de assim também classificar as Igrejas que socorrem seus membros. A Maçonaria não convida ninguém para dela fazer parte, a pessoa interessada é que deve procurar, espontaneamente, uma Loja ou ser indicado por um Mestre Maçom. E há um número expressivo de exigências a serem cumpridas pelos candidatos de ordem legal (maioridade, integridade, emprego e domicílio fixos, etc.), doutrinária (crer em um Deus, religiosidade, distinguir religião de Maçonaria, etc.), prática (apresentar bons costumes, ter boa família, cumprir as leis), metafísica (receptivo às ideias, alinhar-se ideologicamente à ideia de Deus), tradicional (apto, disposto, capacitado) e iniciática (respeitar o processo, os candidatos devem ser aceitos por todos os maçons, submeter-se à sindicância, assumir compromissos e responsabilidades, etc.). Apesar da rigidez das normas para o ingresso na Maçonaria ela também apresenta falhas como qualquer outra instituição humana, exemplo disso é o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (preso e cassado por corrupção) que dela fizesse parte sendo Mestre Maçom Grau 3 da Augusta e Respeitável Loja Simbólica “Areópago de Brasília”, nº 3001, filiada ao Grande Oriente do Brasil, no DF. O ex-governador José Roberto Arruda colocou em seu governo alguns companheiros de Maçonaria. Entidades ligadas aos maçons foram favorecidas com contratos com o governo do Distrito Federal. Uma delas é a Fundação Gonçalves Ledo que, sem participar de licitação pública, foi contemplada com um contrato de mais de R$ 30 milhões, via Secretaria de Ciência e Tecnologia (Projeto DF Digital). Arruda foi expulso, mas o estrago já estava feito.


 Grande Oriente Feminino do Mato Grosso do Sul

Uma das questões que mais alimenta o imaginário coletivo é quanto a não admissão de mulheres em seu seio. De acordo com o que apuramos a entidade mantém-se fiel a uma antiga regulamentação que diz, textualmente, “As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens bons e de princípios virtuosos, nascidos livres de idade madura, sem vínculos que o privem de pensar livremente, sendo vedada a admissão de mulheres assim como homens de comportamento duvidoso ou imoral.” Afirma-se, pois, que estão seguindo apenas uma tradição herdada dos antigos maçons operativos. Ressaltamos que em algumas raras ocasiões algumas mulheres chegaram a acessar várias corporações antes da Maçonaria especulativa. No imaginário popular atribuem-se inúmeras razões para o fato da entidade não admitir mulheres, mas a Igreja Católica restringe o acesso das mulheres aos seus postos mais visíveis e também de comando e nem por isso vê-se envolta em questionamentos que sugiram mistérios, rituais secretos e coisas piores. Mesmo após o movimento feminista deflagrado na década de 1960 e as suas inúmeras conquistas a mulher ainda sofre discriminação, explícita ou implícita. Na Maçonaria existe a Ordem Internacional Arco-Íris para Meninas da Ordem Internacional DeMolay fundada em 1919 em Kansas, Missouri, EUA, (Jacques DeMolay foi o último dos cavaleiros Templários executado pela Inquisição em 1314). Até 1949 a Maçonaria feminina atuava em conjunto com o Grande Oriente do Brasil e a partir deste ano seguiram sozinhas e denomina-se Grande Oriente Feminino do Brasil. Há uma imensa gama de artigos escritos satanizando a Maçonaria com uma ferocidade assombrosa. No entanto, em todas as refutações que tive a oportunidade de estudar os argumentos oferecidos se sustentam em passagens das Sagradas Escrituras e, portanto, nesta perspectiva, fica patente a ligação da sociedade com Lúcifer. Mas, convenhamos, dentro da perspectiva religiosa cristã existe um sem número de elementos que, de alguma forma e em algum momento, estão relacionados com o diabo. Excluindo-se a perspectiva divina e adotando critérios que possam avaliar a Maçonaria como entidade juridicamente constituída e suas ações no sentido de acatar as leis, preservar a ordem, etc. verificaremos que jamais foi uma sociedade nociva à nação brasileira (ao contrário do Fórum de São Paulo onde só tem gente da pior espécie e ninguém o combate). A própria independência entre as lojas maçônicas e as diversidades entre umas e outras impedem que se articulem e construam um consenso que possa ameaçar as instituições da República. Certamente que abrigará em seu seio homens mal intencionado, mas isto não é um privilégio da Maçonaria, tendo-se em conta que estão presentes em todos os recantos da Terra. O que devemos temer e lutar é contra a devastadora atuação da elite socialista Fabiana globalista que vem destruindo, corroendo e solapando-nos diuturnamente.

Charge da época onde o papa Pio IX aplica a palmatória no imperador D.Pedro II

No Segundo Império tivemos a Questão Religiosa em 1870, conflito decorrente de um enfrentamento entre a Igreja Católica e a Maçonaria cujas causas remontam às divergências entre o catolicismo ultramontano (doutrina política católica que reforça e defende o poder e as prerrogativas do papa em matéria de disciplina e fé), o liberalismo (sistema político-econômico baseado na defesa da liberdade individual nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal) e o regime do padroado (criado através de um tratado entre a Igreja Católica e os Reinos de Portugal e de Espanha. A Igreja delegava aos monarcas destes reinos ibéricos a administração e organização da Igreja Católica em seus domínios. O rei mandava construir igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois aprovados pelo papa), mas deste assunto trataremos em outra oportunidade.



Na Primeira Igreja Batista de Niterói (RJ) se instalou uma crise por conta da presença de maçons em sua liderança. Há o depoimento de um diácono que alega não haver contradição alguma em declarar-se maçom praticante há trinta anos e cristão há vinte e oito anos. A polêmica em torno da adesão de evangélicos à Maçonaria já provocou até racha numa das maiores denominações do país, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), no início do século passado. Quando a Igreja proíbe que seus membros ingressem e/ou participem da Maçonaria (ou de qualquer outra coisa) está coerente com os seus princípios doutrinários e, portanto, caberá a seu membro fazer uma opção e, caso não faça, abriu espaço para que dela seja excluído. Por exemplo, os católicos são proibidos de envolverem-se com o comunismo, mas se a Igreja expulsar todos os seus membros ligados ao comunismo certamente contarão com um número apreciável de lugares vagos, a começar pelo seu comando. Portanto, a Maçonaria pode ser vista sob duas perspectivas. A divina e a humana. O que não deveria acontecer é que o julgamento da primeira não anule, minimize ou despreze os resultados positivos alcançados pela segunda. Os maçons estiveram presentes na Independência dos Estados Unidos, na Revolução Francesa, na Inconfidência Mineira, na Independência do Brasil, na Abolição da Escravatura, na Proclamação da República, etc. Discriminá-los, desprezá-los, desrespeitá-los ou ignorá-los vai muito além de uma grosseria. Uma atitude nestes sentidos revela a nossa ignorância e preconceito.

CELSO BOTELHO
23.10.2012