domingo, 26 de fevereiro de 2012

TERRA Á VISTA... A PRAZO, INVADIDA E SAQUEADA

      


                                                                       O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não poupariam ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “evitai ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém” (Jean-Jaques Rousseau, 1712-1778)

O filósofo estabeleceu a causa da miséria humana: a propriedade privada. A propriedade coletiva, pelo menos das maneiras que conhecemos sempre se mostrou ineficiente. A propriedade privada, nas formas que também conhecemos é excludente. E esta discussão remonta à Antiguidade greco-romana. Platão (428/7 a.C.-348/7 a.C.) defendia a propriedade coletiva da terra, enquanto que Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), seu discípulo, recomendava à propriedade privada. Mas então qual seria o modelo adequado que viesse a atender todos? Ainda não foi concebido. A questão da terra em nosso país exige muito mais que esforço intelectual, exige vontade política, supressão de privilégios, legislação adequada e fiscalizada e o desmonte de estruturas seculares, entre tantas outras coisas. O conhecimento histórico contribui com a pesquisa e análise crítica da questão da terra e propõe que reflitamos sobre sua trajetória a partir da terceira década do século XVI identificando diferenças e semelhanças, rupturas e permanências ao longo do tempo. Conhecer e refletir criticamente sobre os acontecimentos históricos permitirá uma compreensão maior e melhor dos fatos presentes e, certamente, a indicação de uma direção que proporcione as soluções desejadas.

CAPITANIAS HEREDITÁRIAS



Entre outros motivos que levaram Portugal a colonizar o Brasil podemos destacar a atuação de corsários, especialmente os franceses, que estabeleceram até uma companhia para dar suporte as suas ações no litoral brasileiro. Colonizar significava tomar posse de fato da imensa extensão de terras que por direito cabia ao reino português, segundo o Tratado de Tordesilhas (1494). Antes mesmo de D. João III (1502-1557) a instituir a partir de 1534 as capitanias hereditárias, o rei D. Manuel I (1469-1521), em 1504, doara a Ilha de São João ou Ilha da Quaresma a Fernão de Noronha (datas de nascimento e morte não são precisas) situada a cinquenta léguas da costa sendo confirmada a doação por D. João III em 1522 tornando, portanto, a primeira capitania hereditária no Brasil. Este sistema já era utilizado em outras possessões portuguesas como as ilhas de Açores e Madeira com sucesso e diante da necessidade de colonizar e disponho de parcos recursos o soberano lusitano decidiu transpor para o continente esta modalidade para garantir a posse efetiva da terra. Não atentou, porém, para o fato da imensa extensão territorial, o clima, a distância, etc. Podemos dizer que nosso país foi fundado a partir de uma parceria público-privada que hoje é muito difundida como um excelente arranjo para dar conta de obras e projetos de grande envergadura. Contudo, devemos atentar para o fato que com o advento das capitanias hereditárias não havia aporte de recursos públicos da Coroa portuguesa e atualmente esta associação exige a colocação dos recursos públicos em consideráveis montantes e com garantias até extravagantes, pois, caso contrário, a iniciativa privada se retrai. As terras estavam sob o controle do Estado, os donatários fariam os investimentos decorrentes da colonização e a Coroa receberia tributos sobre a produção agrícola, mineral ou extrativista.  Porém devemos considerar que o interesse que se mostrou mais contundente foi o de descobrir, conquistar, comercializar e pilhar as riquezas que propriamente colonizar. Este sistema de ocupação da terra mostrou-se ineficaz no Brasil e se tornou a base da questão fundiária não resolvida até os dias de hoje.  O Brasil foi dividido em quinze capitanias hereditárias concedidas a doze donatários com poderes para legislar e decidir sobre qualquer coisa, com exceção da arrecadação de impostos para a Coroa Portuguesa. Destes 12 donatários quatro nunca vieram tomar posse das terras. Dos oito restantes três morreram em circunstâncias dramáticas: Aires da Cunha (? -1536) num naufrágio; Antonio Cardoso de Barros cujo navio naufragou quando voltavam à Portugal e foi devorado pelos índios Caetées e Francisco Pereira Coutinho (?-1547) devorado numa festa antropofágica; Pero Campo Tourinho foi acusado de heresia e preso por seus próprios colonos e enviado aos Tribunais da Inquisição em Portugal, foi absolvido, porém não retornou mais ao Brasil; outros três pouco se interessaram por suas capitanias e apenas Duarte Coelho (1485-1554), primeiro navegador a chegar à Tailândia, fez uma boa administração na Capitania de Pernambuco e Tomé de Souza (1503-1579) na Capitania de São Vicente alcançaram alguma prosperidade. A primeira com a cana de açúcar e engenhos e a segunda com a presença dos jesuítas, a descoberta de ouro de aluvião e a escravização de índios.



As Cartas de Doação garantia à posse e a hereditariedade e as Cartas Forais estabelecia os direitos e deveres dos donatários, colonos e da Coroa tais como distribuir terras; exercer plena autoridade judicial e administrativa inclusive aplicando a pena de morte; escravizar os indígenas e enviá-los à metrópole na condição de escravos; receber a vigésima parte dos lucros sobre o comércio do pau Brasil; entregar 10% de todo o lucro sobre os produtos da terra ao rei; 1/5 de todos os metais preciosos. Em meados do século XVI o sistema já estava falido. Em 1548 o rei decide adotar um governo mais centralizado e institui a figura do governador-geral.  Os donatários possuíam o poder de distribuir as sesmarias que, utilizada em Portugal desde 1375 para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa e que a peste negra agravara (Lei das Sesmarias, 28.05.1375, promulgada pelo rei Fernando I, 1345-1383). O vocábulo sesmaria derivou-se do termo sesma, e significava 1/6 do valor estipulado para o terreno. Sesmo ou sesma também procedia do verbo sesmar (avaliar, estimar, calcular) ou, ainda, poderia significar um território que era repartido em seis lotes nos quais, durante seis dias da semana, exceto no domingo, trabalhariam seis sesmeiros e que visava garantir o abastecimento na colônia e o sistema de plantation (monocultura, grandes latifúndios e mão de obra escrava) que, aliás, perdura até os dias de hoje aqui e alhures. A soja brasileira é um bom exemplo de plantation, quanto a mão de obra em incontáveis latifúndios são análogas à situação de escravidão. A grande novidade da Lei das Sesmarias é a instituição do princípio de expropriação da propriedade caso a terra não fosse aproveitada ou “desapropriação por interesse social”. Muitos sesmeiros preferiram arrendar suas terras a pequenos lavradores o que dificultava o controle de verificação do cumprimento da exigência do cultivo e da demarcação, o controle da Coroa sobre esse sistema de distribuição de terras, o que estimulou o crescimento da figura do posseiro.

Falb Saraiva Farias

Na verdade as sesmarias permitiram a apropriação de terras (posseiros), muitos deles ricos e poderosos logravam até legalizá-las o que, aliás, não era e não é incomum. Em 2001 a revista Veja (nº 1696 de 18.04.01) publicou reportagem apontando Falb Saraiva de Farias como o maior latifundiário do Brasil com registro de propriedade de terras equivalentes a 1,5% do território nacional (12.713.819 hectares, uma área equivalente à soma dos territórios de Portugal e Suíça). Segundo a revista, na época, não havia registro de nenhuma outra pessoa no mundo dona de uma área de tais proporções, fato que o tornava o maior latifundiário do planeta. À CPI da Grilagem este cidadão declarou que começou a amealhar tal patrimônio quando passou a ser corretor de terras de uma viúva que havia herdado 25.000 hectares, munido de escrituras da década de 1920, que não estabeleciam os limites precisos das áreas, e com a conivência dos cartórios, ele esticava as glebas muito além do que os papéis determinavam. Na época Farias era dono, nas escrituras, de 95% da área do município de Canutama (AM) onde, por sinal, segundo a CPI da Grilagem, foram registradas em cartório a Fazenda Eldorado e Santa Maria cujas áreas somavam 1 bilhão e 500 milhões de hectares, superfície superior a do próprio Estado do Amazonas e a Fazenda Boca do Parnafari com área de 12 bilhões de hectares, superior à superfície do território brasileiro. A maior parte dessas propriedades se sobrepõe a áreas da União. Entretanto, a discrepância entre tal patrimônio e o padrão de vida de Farias revelou-se imensa. Suas roupas são puídas e gastas. Seus modos não revelam nenhuma sofisticação. Caso fosse encontrado na rua, e não na sala de visitas da carceragem da sede da Polícia Federal em Manaus, Farias seria facilmente apontado como um trabalhador braçal. Naquela ocasião seu automóvel era um Gol 1.6, ano de fabricação 1998, a casa em que morava até ser preso tem um quarto só e estava sendo alugada por R$ 450,00, mas segundo a proprietária ele “chorou” e deixou por R$ 400,00. Consta que tem outra casa em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, emprestada a um cunhado. Contudo, afirmava não saber o que era grilagem e que as terras não poderiam ser da União, posto que possuísse 27 quilos de documentos para provar que eram suas. Ou esse sujeito é um “laranjão” ou o mais estúpido dos trambiqueiros que já vi. De acordo com a mesma reportagem, além deste, outros quatro eram os maiores proprietários de terras no Brasil perfazendo 7% da Amazônia Legal distribuídas em nove Estados, a saber: Carlos Medeiros, um fantasma, pois, na verdade, seu principal procurador é Flávio Titan Viegas que reside em Belém (PA) com 12 milhões de hectares; Cecílio do Rego Almeida, empreiteiro, com sete milhões de hectares; Pedro Dotto, fazendeiro, com 2,1 milhões de hectares e Adalberto Cordeiro e Silva, ex-cartorário, com 2 milhões de hectares.



E os conflitos permanecem até hoje. A questão da terra no Brasil lembra muito aquele latifundiário que acompanhado de outro no alto de uma colina afirmou: “toda esta terra, até onde a vista alcança, são minhas. E safado nenhum põe as mãos nelas. Nem eu!”. Conforme a produção ia aumentado a necessidade por extensões cada vez maiores de terra eram necessárias e as sesmarias iam-se se dilatando por doação, compra, herança ou apropriação e o termo sesmeiro passou a ter um significado diferente daquele que lhe era atribuído em Portugal, quer seja, daquele que detinha o poder real para distribuir terras para aquele que se beneficiava da doação. E, neste sentido, a Coroa estimulava a concentração de terras. Mesmo desconhecido durante a Idade Média o sistema de sesmarias proporcionou o aparecimento de verdadeiros feudos onde seus senhores decidam sobre a vida e a morte com o amparo da Igreja Católica e um rei distante, inalcançável e nada interessado pelo bem estar de seus súditos. Feudos que ainda hoje são facilmente identificados em várias regiões do país com técnicas mais modernas de dominação, porém com o mesmo objetivo de espoliação. Um sistema que durou mais de três séculos enraizou-se de tal maneira que, por melhor que se conceba uma divisão de terras, não será boa o suficiente para eliminar suas distorções. Havia quem recebesse uma sesmaria e a retalhava para revender, outros recebiam uma para si, outra para mulher e uma terceira para o filho. Segundo registros históricos os limites eram demarcados de forma imprecisa, caótica e até pitoresca. Como, por exemplo, terras que terminavam “onde mataram o Varela” ou que ia até “a casa onde estão uns cajus grandes”. Um dos meios para a medição de terras consistia em acender um cachimbo, montar à cavalo e seguir em frente, quando o cachimbo apagasse e acabado o fumo marcava-se uma légua. Ora, com um sistema métrico desses não se pode esperar outra coisa senão confusão. A adoção de sesmarias é a causa de toda desordem com relação à terra no Brasil. As capitanias são extintas em 1759, porém a estrutura de poder regional mantém-se até hoje. O Alvará de 1795 reconhecia o posseiro e tentava reestruturar o sistema de sesmarias, na tentativa de manter para a Coroa a responsabilidade na concessão das terras devolutas. Foi suspenso no ano seguinte. Com este documento podemos observar que a posse, a obrigação de demarcação e o cultivo eram partes integrantes nos conflitos entre a Coroa Portuguesa, os fazendeiros e os colonos e a relevância dos grandes proprietários de terras. Somente em 17 de julho de 1822 através da Resolução 76 teve seu fim. E, por quase trinta anos, a prática da posse foi largamente utilizada até a promulgação da Lei de Terras em 1850 (Lei nº 601 de 18.09.1850, regulamentada em 30.01.1854, Decreto Imperial nº 1318) onde as sesmarias antigas foram reconhecidas, sendo inúmeras delas com documentos falsificados; reconheceu também o regime de posses e instituiu a compra como única forma para a obtenção de terras. Na realidade esta lei beneficiou os grandes latifúndios. As terras não ocupadas passaram a ser propriedade do Estado e somente através da compra, à vista, poderiam ser adquiridas. As terras já ocupadas poderiam ser regularizadas como propriedade privada. Apenas em 1930 sofre uma alteração: a desapropriação de terra com interesse público e a propriedade deveria ser indenizada. Com a Constituição Federal de 1946 atribuiu-se à terra uma “função social”. Em 1964 o regime militar promulgou o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 30.11.1964) e  a Lei nº 6.383 de 7.12.1976 que dispõe sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União. A Constituição Federal  de 1988 legitimou a desapropriação da terra para fins de reforma agrária e que foi regulamentada pela Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. A Lei nº 11.952 de 25.06.2009 dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal. E ainda assim prosseguimos andando em circulos.



Quase dois séculos depois da extinção do sistema de sesmaria a questão da posse da terra ainda gera conflitos, enfrentamentos com vitímas fatais, mantém-se os latifúndios improdutivos, a posse ilegal, a grilagem, a exploração do trabalho alheio em condições análogas à escravidão. Toda essa desatenção, omissão, manutenção de privilégios do Estado subserviente aos interesses dos grandes proprietários que lhe dão sustentação política e econômica e, em inúmeras vezes pelos séculos a fora, estes tornam-se seus gestores obstruindo qualquer tentativa de realizar, por mínima que seja, uma reforma agrária. Nas quatro visitas que fez ao Brasil (1980, 1982, 1991 e 1997) o Papa João Paulo II cobrou do governo brasileiro a implantação da reforma agrária para acabar com a violência no campo e reduzir a miséria no país. Em 2003 indagou aos bispos da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) “e a reforma agrária no Brasil?” Mesmo diante da inistência do líder católico os sucessivos governos não se sensibilizaram permanecendo inertes, descuidados e irresponsáveis até mesmo estimulando, financiando e protegendo invasores e saqueadores de todas as ordens. Em tese as reinvindicações do MST (Movimento dos Sem Terra) são legítimas, porém na prática encontram-se muito distantes. Como se vê, seja na questão da terra ou em qualquer outra, deparamo-nos com deficiências estruturais e corrigi-las ou minimizá-las suportavelmente não é uma tarefa fácil e demanda um longo tempo e, acima de tudo, muita serenidade, bom senso e  retidão. Atributos, por sinal, cada vez mais escassos na classe política e econômica do nosso país. Desde a terra à vista, passando pela terra doada, herdada, comprada, grilada, ocupada ilegalmente até aquela a prazo ela foi e é – sistematicamente – invadida e saqueada.

CELSO BOTELHO
21.02.2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CASA DA MOEDA: DA PATACA AO REAL

O SURGIMENTO DA MOEDA


Primeira moeda do mundo cunhada em Lídia, atual Turquia, circularam por mais de 400 anos no mundo grego. Por volta de 330 a.C. Alexandre, o Grande estabeleceu que a moeda teria sua efígie. Do outro lado, a imagem do deus Zeus

A criação da moeda tem uma longa trajetória na História humana que jamais terá fim. Antes dela praticava-se o escambo, ou seja, a troca de uma mercadoria por outra. Mas este sistema não se mostrou eficaz conforme as sociedades se tornavam mais complexas e, portanto, exigia a adoção de outro padrão para satisfazer suas necessidades. O gado e o sal, funcionando como moeda, nos legaram palavras como pecúnia (dinheiro) e pecúlio (dinheiro acumulado), derivadas da palavra latina “pecus” (gado). A palavra capital (patrimônio) vem do latim “capita” (cabeça). A palavra salário tem como origem a utilização do sal, em Roma, para o pagamento de serviços prestados. O metal possibilitou o homem por sua raridade, divisibilidade e facilidade para o transporte um novo padrão de valor. A princípio, em seu estado natural, depois sob a forma de barras ou sob a forma de objetos, como anéis, braceletes, etc. Os utensílios de metal passaram a ser mercadorias muito apreciadas. Sua produção exigia, além do domínio das técnicas de fundição, o conhecimento dos locais onde o metal poderia ser encontrado. Essa produção, naturalmente, não estava ao pleno alcance de todos. A valorização, cada vez maior dos utensílios, levou à sua utilização como moeda e ao aparecimento de réplicas de objetos metálicos em pequenas dimensões a circularem como dinheiro como, por exemplo, as moedas faca e chave encontradas no Oriente e do talento, moeda de cobre ou bronze com o formato de pele de animal encontradas na Grécia e em Chipre. No século VII a.C., surgem as primeiras moedas com as características das atuais. As moedas refletem a mentalidade de um povo e de sua época. Nelas podem ser observados aspectos políticos, econômicos, sociais, religiosos, tecnológicos e culturais. Pelas impressões encontradas nas moedas conhecemos hoje a efígie de personalidades de há muitos séculos. Provavelmente, a primeira figura histórica a ter sua efígie registrada numa moeda foi Alexandre, o Grande, da Macedônia por volta do ano 330 a.C. Nos primórdios da civilização os sacerdotes da Babilônia, estudiosos de Astronomia, ensinavam ao povo a existência de estreita ligação entre o ouro e o Sol, assim como entre a prata e a Lua, fazendo surgir a crença no poder mágico desses metais e no dos objetos com eles confeccionados. Durante muitos séculos, os países cunharam em ouro suas moedas de maior valor e reservaram a prata e o cobre para os valores menores. Esses sistemas mantiveram-se até o final do século XIX. Com o advento do papel-moeda, a cunhagem de moedas metálicas ficou restrita a valores inferiores, necessários para troco.

Padrão Ouro

O padrão-ouro surgiu desde o tempo do domínio do mercado mundial pelos genoveses, por volta de 1140. Na Idade Média, surgiu o costume de guardarem-se os valores com um ourives, negociante de objetos de ouro e prata. O ourives, como garantia, entregava um recibo e, com o tempo, os recibos passaram a ser utilizados para efetuar pagamentos. A circulação de mão em mão dos recibos deu origem à moeda de papel. O padrão-ouro foi estabelecido como tipo básico de moeda e a forma para adquirirem-se mercadorias. O ouro na forma de moeda chegou à Europa no século XI por intermédio da invasão dos muçulmanos na Espanha. No século XIII Florença, Gênova e Veneza passaram a cunhar moedas de ouro. No século XIV a Inglaterra e a França também cunharam o ouro e o uso desse metal na forma de moeda generalizou-se no mundo ocidental. O Brasil ingressou no sistema padrão-ouro com a sua adesão ao FMI em 14 jul. 1948. A participação brasileira correspondeu a quotas no total de US$ 150 milhões. Em pagamento de parte dessa participação o Brasil remeteu 33 toneladas de ouro ao FMI. Na vigência do regime da paridade do cruzeiro com o ouro (cruzeiro-ouro), o cruzeiro correspondia a 0,0480363 gramas de ouro fino.  Em 1971, os EUA desvincularam o dólar do ouro e dólar passou a ter a confiança como único lastro. No Brasil, os primeiros bilhetes de banco, precursores das cédulas atuais, foram lançados pelo Banco do Brasil, em 1810. Tinham seu valor preenchido à mão, tal como fazemos hoje com os cheques. Com o tempo, da mesma forma ocorrida com as moedas, os governos passaram a conduzir a emissão de cédulas. Eles controlam as falsificações e garantem o poder de pagamento. Atualmente quase todos os países possuem seus bancos centrais, encarregados das emissões de cédulas e moedas. A moeda de papel evoluiu em relação à técnica utilizada na sua impressão. Hoje a confecção de cédulas utiliza papel especialmente preparado e diversos processos de impressão capazes de dar ao produto final grande margem de segurança e condições de durabilidade.


O DINHEIRO NO BRASIL

COLÔNIA: DE 1500 A 1815

Primeira moeda cunhada no Brasil pelos holandeses


O primeiro dinheiro do Brasil foi a moeda-mercadoria. Durante muito tempo, o comércio foi feito por meio da troca de mercadorias, mesmo após a introdução da moeda de metal. As primeiras moedas metálicas (de ouro, prata e cobre) chegaram com o início da colonização portuguesa. De 1580 a 1640 tempo em que a Espanha dominou Portugal, o Brasil Colônia utilizava a moeda real hispano-americano, a qual era cunhada em Potosi (Bolívia). As moedas eram de meio, 1, 2, 4, 8 "reales" que era equivalente a 20, 40, 80, 160 réis. O governador Constantino Menelau, no ano 1614 determinou que o açúcar tivesse valor como "moeda" então 15 kg (uma arroba) de açúcar branco foi fixado em 1.000 réis, o mascavo em 640 réis, e os de outras espécies em 320 réis. A unidade monetária de Portugal, o Real, foi usada no Brasil durante todo o período colonial. Assim, tudo se contava em réis (plural popular de real) com moedas fabricadas em Portugal e no Brasil. O Real (R) vigorou até 07 de outubro 1833. O período colonial brasileiro pode ser dividido em duas fases: de 1500 até o século XVII, quando predominavam as atividades extrativas do pau-brasil e a plantação de cana-de-açúcar e a partir dai até o século XIX, quando durou o ciclo do ouro e o Brasil chegou a ser o maior produtor do metal, respondendo por 59% da produção mundial. O padrão legal para a emissão de moedas no Brasil foi regulado por lei de 4 de agosto de 1688, modificada por lei de 4 de  abril de  1722. A moeda de ouro (uma oitava de ouro) valia 1.600 réis e a moeda de prata (uma oitava de prata), 100 réis. O Brasil produziu moedas em ouro, no valor de 20.000 réis e 10.000 réis até 1922.

Pataca

Nas duas últimas décadas do século XVII, a situação de falta de moeda no Brasil agravou-se e comprometia o funcionamento da economia. Provocou drástica redução nas rendas da Coroa. Inúmeras representações pedindo solução para o problema foram encaminhadas ao rei pelos governadores gerais e das capitanias, representantes das câmaras e membros da igreja e da nobreza. Em 1694 foi criada a Casa da Moeda na Bahia para a cunhagem de moeda provincial para o Brasil. O Brasil começou a produzir os réis em 1695: eram moedas cunhadas em ouro (dobrões) e em prata (patacas). Todas as moedas de ouro e prata em circulação na Colônia deveriam ser obrigatoriamente enviadas à Casa da Moeda para serem transformadas em moedas provinciais. Essa medida acarretou problemas às demais capitanias, em função das dificuldades e riscos do transporte. Assim, para atender às necessidades da população, a Casa da Moeda foi transferida em 1699 para o Rio de Janeiro e no ano seguinte para Pernambuco, onde funcionou até 1702. Em 1703, foi instalada novamente no Rio de Janeiro, não mais com a finalidade de cunhar moedas provinciais, mas para transformar o ouro em moedas para o Reino. Foram cunhadas moedas de ouro de 4.000, 2.000 e 1.000 réis e de prata de 640, 320, 160, 80, 40 e 20 réis. O conjunto de moedas de prata é conhecido como série das patacas, em função da denominação "pataca", atribuída ao valor de 320 réis. Na primeira metade do século XVIII, a elevada produção de ouro possibilitou o funcionamento simultâneo de três casas da moeda e a cunhagem de grande quantidade de peças, cujos valores e beleza testemunham a opulência caracterizadora do período do reinado de d. João V (1706-1750). Inicialmente foram cunhadas, nas casas da moeda do Rio de Janeiro (1703) e da Bahia (1714), moedas idênticas às do Reino: moeda, meia moeda e quartinho, com valores faciais de 4.000, 2.000 e 1.000 réis. Embora com as mesmas denominações das moedas provinciais, essas peças possuíam maior peso e seu valor de circulação era 20% superior ao valor facial. O estabelecimento de uma casa da moeda em Minas Gerais foi determinado em 1720, quando da proibição da circulação do ouro em pó dentro da capitania (o ouro em pó era contrabandeado dentro de imagens de santos feitas de madeira e daí a expressão “santinho do pau oco”). Além de moedas iguais às cunhadas no Reino, no Rio de Janeiro e na Bahia, a nova casa da moeda deveria fabricar peças com valores nominais de 20.000 e 10.000 réis. Elas circularam com os valores efetivos de 24.000 e 12.000 réis. Instalada em Vila Rica, a casa da moeda de Minas funcionou no período de 1724 a 1734. “Até o ano de 1810, a nossa moeda era, de fato, o ouro, e a prata fazia então o ofício de troca”.

REINO UNIDO: DE 1815 A 1822

Bilhetes emitidos pelo Banco do Brasil a partir de 1810

A elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815 representou um reconhecimento à condição de sede do governo e centro de decisões políticas, dada a presença da Corte no Rio de Janeiro. Nesse período, os gastos extraordinários com a administração, a insuficiência da arrecadação de impostos, as guerras externas e as revoluções internas, os gastos da Corte e outros fatores causaram déficit no Tesouro. Passou-se a emitir dinheiro sem lastro metálico, desvalorizando-o e provocando inflação. A criação do Banco do Brasil, por meio de Alvará de 12 de outubro de 1808, teve por principal objetivo dotar a Coroa de um instrumento para levantamento dos recursos necessários à manutenção da Corte. De acordo com seus estatutos, o Banco deveria emitir bilhetes pagáveis ao portador, com valores a partir de 30 mil réis. As emissões do Banco tiveram início em 1810 e a partir de 1813 foram emitidos bilhetes com valores abaixo do limite mínimo inicialmente estabelecido.

“À bela moeda de ouro de 1809 tinha sucedido a moeda fraca de prata e esta, em 1819, se achou substituída, por sua vez, por miseráveis tiras de papel!”. Entre 1813 e 1820, as emissões atingiram 8.566 contos de réis, em grande parte determinadas pelo fornecimento de moeda-papel para fazer face às crescentes despesas da Corte e da administração régia. Essas despesas anualmente excederam a receita arrecadada. A partir de 1817, os bilhetes do Banco do Brasil começaram a perder a credibilidade e sofreram grande desvalorização. Em abril de 1821, antes de regressar a Portugal, o rei e toda a sua Corte resgataram todas as notas em seu poder. Trocaram os bilhetes por moedas, metais e jóias depositados. O Banco foi obrigado a suspender, a partir de julho, a conversibilidade dos bilhetes. Em 1828 o banco esta contabilmente falido e isto significava a insolvência do Tesouro Nacional e sua liquidação gradual se deu em lei aprovada pelo parlamento em 23 de setembro de 1829. Em 1834, o governo iniciou a cunhagem dos cruzados, para substituir as patacas.

IMPÉRIO: DE 1822 A 1889

RÉIS - Rs 10$000 – Imperador D. Pedro II (1825-1891)

O império brasileiro foi marcado por um período inicial de crise, em razão das dificuldades de organizar a nova nação. Os gastos necessários diminuíram a quantidade de ouro e prata em circulação, e o meio circulante passou a compor-se, em grande parte, de moedas de cobre. Em meados do século XIX, porém, o progresso econômico exigia recursos monetários distribuídos por várias regiões. Para suprir essa carência, bancos de diversas cidades brasileiras passaram a emitir dinheiro. Durante o período, a moeda de papel foi, aos poucos, conquistando a confiança. A população começou a adquirir o hábito de usar a moeda-papel em substituição ao dinheiro de metal, principalmente nos valores altos. De acordo com a Lei nº 59, de 8 de outubro 1833, entrou em vigor o MIL-RÉIS (Rs), múltiplo do real, como unidade monetária, adotada até 31 de  outubro de 1942.


REPÚBLICA: A PARTIR DE 15 DE NOVEMBRO DE 1889

Tostão

O meio circulante nacional vem sendo marcado por profundas mudanças no período republicano. O uso do papel-moeda popularizou-se. Em 1918, para facilitar o troco, o governo iniciou a cunhagem do tostão, com valor de 100 réis. O curso forçado do mil-réis foi adotado por intermédio do Decreto nº 23.501 de 17 de novembro de 1933. Diz o Artigo 1º do referido Decreto: “É nula qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou em determinada espécie de moeda, ou por qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil réis-papel.” O governo federal tornou-se o único responsável pela emissão de nosso dinheiro. E, por meio do Decreto-Lei nº 4.791 de 5 de outubro de 1942, uma nova unidade monetária, o cruzeiro – Cr$, veio substituir o mil-réis, na base de Cr$ 1,00 por mil-réis.

MIL-RÉIS, CRUZEIRO, CRUZEIRO NOVO, CRUZEIRO, CRUZADO, CRUZADO NOVO, CRUZEIRO, CRUZEIRO REAL E REAL


Réis – Rs 30$000 – 1890 - Imagem de uma mulher e de um trem em movimento


Cruzeiro – Cr$ 5.000,00 - 01.11.1942 – Período de circulação até 30.06.1974 - Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), Tiradentes

Cruzeiro Novo – NCr$ 5,00 - Período de circulação de 13.02.67 a 30.06.74

Cruzeiro – Cr$ 1,00 – Efígie simbólica da República - Período de circulação de 15.05.70 a 30.06.84

Cruzado – Cz$ 10.000,00 – Carlos Chagas (1879-1934) - Período de circulação: 24.11.88 a 31.12.90

Cruzado Novo – Cz$ 50,00 – Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) – Período de circulação de 17.03.89 a 30.09.92

Cruzeiro – Cr$ 500.000,00 – Mário de Andrade (1843-1945) – Período de circulação de 29.01.93 a 15.09.94

Cruzeiro Real – CR$ 50.000,00 – “baiana” – Período de circulação de 29.10.93 a 15.09.94

Real – R$ - 100,00 – Efígie simbólica da República – Período de circulação: atual

O Artigo 10, I, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, delegou ao Banco Central do Brasil competência para emitir papel-moeda e moeda metálica, competência exclusiva consagrada pelo artigo 164 da Constituição Federal de 1988. Antes da criação do BCB, a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), o Banco do Brasil e o Tesouro Nacional desempenhavam o papel de autoridade monetária. A SUMOC, criada em 1945 e antecessora do BCB, tinha por finalidade exercer o controle monetário. A SUMOC fixava os percentuais de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, as taxas do redesconto e da assistência financeira de liquidez, bem como os juros. Além disso, supervisionava a atuação dos bancos comerciais, orientava a política cambial e representava o país junto a organismos internacionais. O Banco do Brasil executava as funções de banco do governo, e o Tesouro Nacional era o órgão emissor de papel-moeda.

O Brasil, de 1824 a 2002, permaneceu 38 anos em situação de “default” (É o descumprimento de qualquer cláusula importante de um contrato que vincula devedor e credor. Na prática, é o que chamamos de calote), de acordo com estudo da Standard and Poor’s (entidade que publica análises e pesquisas sobre bolsas de valores e títulos). O Equador permaneceu 108 anos; o Peru, 71 anos, a Colômbia, 62 anos; a Venezuela, 59 anos; a Argentina, 44 anos; e o Chile, 42 anos. O primeiro “default” brasileiro aconteceu em 1826 e durou até 1829. Dom Pedro I não conseguiu honrar os primeiros títulos de seu Império e pediu a ajuda dos britânicos. Sucederam ainda os seguintes “defaults” envolvendo títulos públicos: 1898-1901; 1902-10; 1914-19; 1931-33; e 1937-43. O Brasil incorre em “default” novamente, por dívidas bancárias, ao longo do período 1983-94.

No século XX, o Brasil adotou nove sistemas monetários ou nove moedas diferentes (mil-réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, real). A denominação “cruzeiro” origina-se das moedas de ouro (pesadas em gramas ao título de 900 milésimos de metal e 100 milésimos de liga adequada), emitidas na forma do Decreto nº 5.108, de 18 de dezembro de 1926, no regime do ouro como padrão monetário. O Decreto-Lei nº 1, de 13 de novembro de 1965, transformou o cruzeiro – Cr$ em cruzeiro novo – NCr$, na base de NCr$ 1,00 por Cr$ 1.000. A partir de 15 de maio de 1970 e até 27 de fevereiro de 1986, a unidade monetária foi novamente o cruzeiro (Cr$). Em 27 de fevereiro de 1986, Dílson Funaro, ministro da Fazenda, anunciou o Plano Cruzado (Decreto-Lei nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1986): o cruzeiro – Cr$ se transformou em cruzado – Cz$, na base de Cz$ 1,00 por Cr$ 1.000 (vigorou de 28 de fevereiro de 1986 a 15 de janeiro de 1989). Em novembro do mesmo ano, o Plano Cruzado II tentou novamente a estabilização da moeda. Em junho de 1987, Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro da Fazenda, anunciou o Plano Bresser: um Plano Cruzado “requentado” avaliou Mário Henrique Simonsen. Em 15 de janeiro de 1989, Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda, anunciou o Plano Verão (Medida Provisória nº 32, de 15 de janeiro de 1989): o cruzado – Cz$ se transformou em cruzado novo – NCz$, na base de NCz$ 1,00 por Cz$ 1.000,00 (vigorou de 16 de janeiro de 1989 a 15 de março de 1990). Em 15 de março de 1990, Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda, anunciou o Plano Collor (Medida Provisória nº 168, de 15 de março de 1990): o cruzado novo – NCz$ se transformou em cruzeiro – Cr$, na base de Cr$ 1,00 por NCz$ 1,00 (vigorou de 16 de março de 1990 a 28 de julho 1993). Em janeiro de 1991, a inflação já passava de 20% ao mês, e o Plano Collor II tentou novamente a estabilização da moeda. A Medida Provisória nº 336, de 28 de julho de 1993, transformou o cruzeiro – Cr$ em cruzeiro real – CR$, na base de CR$ 1,00 por Cr$ 1.000,00 (vigorou de 29 de julho de 1993 a 30 de junho de1994). Em primeiro de julho de 1994 foi implantado o Plano Real: o cruzeiro real – CR$ se transformou em real – R$, na base de R$ 1,00 por CR$ 2.750,00 (Medida Provisória nº 542, de 30 de junho 1994, convertida na Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995).

CASA DA MOEDA DO BRASIL (CMB)

Casa da Moeda do Brasil – Parque Industrial de Santa Cruz – RJ.

A Casa da Moeda do Brasil é uma empresa pública, vinculada ao Ministério da Fazenda. Fundada em oito de março de 1694. Um ano após a fundação a cunhagem das primeiras moedas genuinamente brasileiras foi iniciada na cidade de Salvador, primeira sede da CMB, permitindo assim que fossem progressivamente substituídas as diversas moedas estrangeiras que aqui circulavam. Em 1695 foram cunhadas as primeiras moedas oficiais do Brasil de 1.000, 2.000 e 4.000 réis, em ouro e de 20, 40, 80, 160, 320 e 640 réis, em prata, que ficaram conhecidas como a “série das patacas”. A Casa da Moeda da Bahia foi transferida para o Rio de Janeiro em 1698, em obediência à Carta Régia de 12 de janeiro desse ano. Em 1700 foi novamente removida, desta vez para Pernambuco, mas em 1702 estava de volta ao Rio de Janeiro. Em 1698, a Casa da Moeda, vinda da Bahia por mar, com seu pessoal e ferramentas, foi instalada na Rua Direita, atual Primeiro de Março, RJ, no prédio dos armazéns da Junta de Comércio, nas proximidades da ladeira de São Bento. Ao voltar de Pernambuco, em 1702, novamente se instalou no mesmo local. Sua letra monetária era “R”. Junto com a Casa da Moeda, usando seu pessoal e instalações, estabeleceu-se, em 1703, uma Casa dos Quintos, para arrecadar o tributo daqueles que não quisessem trocar seu ouro por moedas. Tornando-se inadequadas as dimensões do prédio da Junta do Comércio, a Casa da Moeda transferiu-se para duas casas dos frades carmelitas, no Terreiro do Carmo, hoje Praça XV. Isso ocorreu por volta de 1707. Nas invasões francesas, a Casa da Moeda foi afetada de formas diversas. Em 1710, travou-se nas suas proximidades a principal batalha; vencidos os invasores, parte dos prisioneiros foi recolhida à cadeia existente na Casa da Moeda. Na invasão de Duguay-Trouin, em 1711 (uma esquadra de 17 ou 18 navios com uma artilharia formada por 740 peças e 10 morteiros, com um efetivo de 5.764 homens, sob o comando do corsário francês René Duguay-Trouin ousadamente entrou em linha pela barra da baía de Guanabara tomando a cidade), a Casa da Moeda foi obrigada a pagar a avultada soma de 110:077$600 (cento e dez contos, setenta e sete mil e seiscentos réis), 100 caixas de açúcar e 200 cabeças de gado bovino como parte do resgate da cidade. Além disso, foi pesadamente bombardeada, ficando inutilizadas as suas oficinas, o que a obrigou a suspender os trabalhos por muitos meses. Em 1743, o Conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrade, edificou no local um novo prédio, o imponente Palácio dos Governadores. A Casa da Moeda ficou ocupando uma parte do térreo, voltada para a Rua Direita. Já no século XIX, em 1814, a Casa da Moeda mudou-se para o antigo rudimento de museu de história natural, na Rua do Sacramento, a famosa "Casa dos Pássaros", que compartilhou com o Erário Régio. Em 1843, utilizando técnicas “intaglio” (técnica de impressão na qual a imagem é entalhada em uma superfície. Normalmente, são usadas placas de cobre ou zinco e as incisões são criadas por técnicas especiais). No período em que esteve na Rua do Sacramento, a Casa da Moeda emitiu, pela primeira vez na América, selos postais, os célebres "olhos de boi", fazendo do Brasil o terceiro país do mundo (precedido apenas pela Inglaterra e pela Suíça) a emitir um selo postal. Nesse edifício, a Casa da Moeda ficou até 1868, quando foi removida para o prédio próprio, especialmente construído para ela na Praça da Aclamação, hoje Praça da República (Arquivo Nacional). Essa planta foi modernizada no período de 1964 a 1969, com o propósito de assegurar a nosso país a auto-suficiência na produção de seu meio circulante. Em 1983, foi removida para o Parque Industrial Santa Cruz, RJ, onde dispõe das melhores instalações possíveis, um dos maiores no gênero no mundo. Essas instalações ocupam cerca de 110.000 metros quadrados de área construída, em uma área de terreno de cerca de 500.000 metros quadrados.

Selo “Olho de Boi” de 1º de agosto de 1843

Desde então, através da produção de moedas e, posteriormente, também de cédulas e outros produtos fiduciários e de segurança, a história da CMB vem se tornando parte da própria História do Brasil. O crescimento da economia brasileira durante os anos subsequentes veio requerer a expansão da capacidade de produção da empresa. É uma das instituições públicas mais antigas do Brasil e desfruta do respeito e da confiança da sociedade. A moeda de um país é, além de símbolo de soberania e instrumento contábil e liberatório, uma excepcional fonte histórica capaz de revelar questões obscuras ou nebulosas sobre os fatos e acontecimentos (sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos, etc.) no decorrer dos séculos. Os últimos acontecimentos que envolvem a instituição precisam e devem ser apurados com rigor, apontar responsáveis e levá-los às barras dos tribunais que é a instância apropriada para que apresentem sua defesa ou a promotoria comprove as acusações. A mácula lançada sobre a Casa da Moeda do Brasil deve ser removida, mesmo que consideremos que as más ações amplamente denunciadas não tenham abalado a confiança e respeito que a população deposita na entidade.

CELSO BOTELHO
06.02.2012

FONTES:
ANDRADA, Antônio Carlos Ribeiro de. Bancos de Emissão no Brasil. Editora Leite Ribeiro, 1923
GONÇALVES, Cleber Baptista. Casa da Moeda do Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Moeda, 1989.
http://aamuseuvalores.blogspot.com/2011/09/ensaio-de-uma-cedula-nao-circulada-30.html
http://www.bcb.gov.br/?CEDBRLISTA
http://www.casadamoeda.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=20&Itemid=29


NÓBREGA, Adalberto. Da moeda ao ativo financeiro: uma leitura jurídica do ouro. Brasília: Brasília Jurídica, 2004.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SANTANA, Afonso Romano. XAVIER, Rui. Ouro: Sua História, Seus Encantos, Seu Valor. Rio de Janeiro: Salamandra, 1997
SIMONSEN, Roberto Cochrane. História Econômica do Brasil 1500 – 1820. Brasiliana, 1937
VALOR ECONÔMICO. São Paulo, 10 de março de 2004, p. A16