quarta-feira, 12 de junho de 2013

QUESTÃO DA TERRA. UM FLAGELO NACIONAL


A questão da terra no Brasil é um hectacombe colossal. Caso essa questão se restringisse à distribuição de terras talvez muitos conflitos poderiam ter sido evitados devido nossa fartura territorial. Porém, a questão da terra abarca inúmeras outras questões tais como culturais, sociais, políticas, econômicas, etc. e interesses pessoais, corporativos e governamentais sensíveis e de difícil acomodação. Tais questões e interesses tendem a emperrar a melhor e mais justa reforma agrária que se possa conceber. Mas isto não deve desestimular a busca de soluções que possam contemplar o maior número possível de pleitos. O Estado deve contar com políticas públicas eficientes para dar conta dos problemas que emperram a atividade agrícola como a concessão de crédito, assistência técnica, comercialização, estocagem, escoamento e programas específicos que integrem toda a cadeia produtiva.  Em outras palavras, sem uma reforma agrária amplamente discutida pela sociedade a questão da terra jamais será resolvida. Todos os governos prometeram reforma agrária e nenhum jamais se empenhou em concretizá-la ou foi impedido de fazê-la por diversas razões. São tantos os complicadores que se interpõe que se tornou mais seguro e conveniente para os governos ignorá-la ou simplesmente distribuir terra dando por encerrada sua responsabilidade e participação no processo. Atitude que cria e fomenta mais e mais conflitos.

A questão da terra remonta a implantação do sistema de capitanias hereditárias em 1534 pelo rei de Portugal D. João III (1502-1557). O sistema de donatários, combinando elementos feudais e capitalistas, havia sido utilizado com êxito no desenvolvimento das ilhas da Madeira e dos Açores, e foi aplicado com menor êxito no arquipélago de Cabo Verde.   Diante de escassos recursos para tomar posse efetiva das terras invadidas em 1500 D. João III decidiu transferir tal tarefa para particulares. Podemos dizer que nosso país nasceu de uma estupenda privatização. Mas, ao contrário do mito sobre a pouca inteligência dos portugueses, a privatização do Brasil lhes foi extremamente favorável. “Podemos dizer que nosso país foi fundado a partir de uma parceria público-privada que hoje é muito difundida como um excelente arranjo para dar conta de obras e projetos de grande envergadura. Contudo, devemos atentar para o fato que com o advento das capitanias hereditárias não havia aporte de recursos públicos da Coroa portuguesa e atualmente esta associação exige a colocação dos recursos públicos em consideráveis montantes e com garantias até extravagantes, pois, caso contrário, a iniciativa privada se retrai.” (TERRA Á VISTA... A PRAZO, INVADIDA E SAQUEADA, Krocodilus, Celso Botelho, 21.02.2012). Elementos da pequena nobreza bem relacionados com a Coroa portuguesa foram aquinhoados com uma faixa de terra. A alta nobreza e os grandes comerciantes não se interessaram pelo empreendimento muito oneroso e arriscado. A estes pequenos nobres eram assegurados direitos e, concomitantemente, assumiam deveres com a Coroa portuguesa como, por exemplo, criar vilas e distribuir terras (sesmarias) a quem quisesse cultivá-las; exercer plenamente o poder judicial e administrativo, inclusive com a prerrogativa de aplicar a pena de morte; escravizar índios para trabalharem nas lavouras e/ou recrutá-los e enviá-los para Portugal na condição de escravos; enviar a vigésima parte dos lucros obtidos com o comércio de pau-brasil; enviar 10% dos lucros oriundos da atividade agrícola à Coroa portuguesa; enviar 1/5 dos metais descobertos à Coroa, entre outros. Nesta privatização do Brasil percebe-se que o rei de Portugal saia grandemente favorecido, posto que o ônus do empreendimento ficasse a cargo do donatário. Diferentemente das privatizações iniciadas no governo Collor (1990-1992), robustecidas no governo FHC (1995-2002), continuadas no governo Lula (2003-2010) e no governo Dilma (2011-2014) na qual o Estado brasileiro reduz escandalosamente o valor real das empresas estatais, aceita de bom grado moedas pobres, assume o passivo com alegria e financia sem qualquer pudor sua compra com dinheiro público e permite aos concessionários praticar todo o tipo de bandalheiras contra o cidadão e também contra o próprio Estado. O sistema de capitanias hereditárias esbarrou em inúmeras dificuldades. Alguns donatários sequer vieram tomar posse das terras que lhe foram concedidas. Não havia pessoas em números suficientes para dar conta de trabalhar nas lavouras; os ataques indígenas eram frequentes, posto não se submeterem à escravidão; os meios de comunicação e transporte eram precários dentro das capitanias e entre elas; a imensa distância entre Corte portuguesa e a colônia dificultava muito as comunicações; os donatários obtinham participação irrisória nos lucros provindos da terra e ainda havia o detalhe que nem todas as capitanias eram propícias ao cultivo de cana de açúcar, produto que interessava ao sistema colonial. Das quinze capitanias apenas duas obtiveram sucesso (São Vicente e Pernambuco). Tal sistema mostrou-se completamente ineficiente e o Regimento de 1548 instalava e regulamentava um novo sistema político: o Governador-Geral. Entretanto somente em 1759 foram extintas pelo Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo, 1699-1782), ressalte-se que a hereditariedade foi abolida, mas a denominação capitania não. Mas, de qualquer maneira, o estrago já estava feito.


 O estabelecimento de governadores-gerais não logrou em ordenar, administrar ou minimizar as questões referentes à terra. Ao contrário. De 1549 até 1808 os problemas foram se somando, as demandas só fizeram aumentar e os conflitos exacerbarem-se. No ano de 1821 José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) apresentou um projeto para dar conta das questões da terra. O Patriarca da Independência propunha que as terras concedidas por sesmaria deveriam retornar ao patrimônio nacional caso não tivessem sido cultivadas; a regularização das terras “adquiridas” por posse com o compromisso de serem cultivadas dentro de determinado prazo; uma nova política de venda de terras; proibição de novas doações e, por fim, o projeto visava privilegiar europeus pobres, índios, mulatos e negros forros. Naturalmente que sesmeiros e posseiros viram-se atingidos em seus interesses, pois os obrigavam a cultivar a terra e os proibiam de “adquirir” novas extensões de terras por meio de doações ou da pura e simples apropriação. Os poderes de sesmeiros e posseiros seriam substancialmente limitados e submetidos aos interesses da Coroa. José Bonifácio afastou-se da política e o projeto jamais saiu do papel. Em 1828 o regente Diogo Feijó (1784-1843) apresentou proposta no sentido de democratizar o acesso a terra reduzindo a concentração fundiária. O projeto de Feijó apontava para a necessidade de legitimar as posses dos sesmeiros, desde que as possuíssem por mais de dez anos; os sesmeiros seriam obrigados a cultivar suas terras ou vendê-las no caso de não a cultivarem por um período de cinco anos. Feijó entendeu ainda que o parcelamento das terras deveria ter como base a unidade familiar. Note bem. Nas primeiras décadas do século XIX já havia a percepção de que deveríamos privilegiar a agricultura familiar. Porém, somente em 1996, mais de um século depois, com o Decreto Presidencial nº 1946 foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar (Pronaf) com o objetivo de financiar projetos individuais ou coletivos que gerassem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Não se pode negar os avanços obtidos pelo programa como instrumento de apoio aos agricultores familiares, no entanto a distribuição dos recursos contempla as regiões sul e sudeste em detrimento das demais e privilegia os segmentos mais capitalizados da agricultura familiar.  Desde sua implantação a agricultura familiar contribui para o desenvolvimento social e para equilibrar o país movimentando bilhões de reais produzindo mais da metade dos alimentos que por nós é consumido, criando empregos, gerando e distribuindo renda e evitando o êxodo rural. Tudo isso apesar da crônica falta de fiscalização que produz todo tipo de irregularidade. Aliado a isto se registre a falta de qualidade na aplicação dos recursos. Caso houvéssemos caminhado neste sentido desde o inicio do século XIX possivelmente muitos conflitos teriam sido evitados, um maior desenvolvimento verificado e resultados significativos colhidos. A ausência ou insuficiência de políticas de ocupação territorial aliada à incompetência e negligência na elaboração e execução de projetos de reforma agrária e um ordenamento jurídico inadequado são a fonte de todos os conflitos até nossos dias.  Tanto José Bonifácio quanto Diogo Feijó objetivavam dar estímulo a imigração e conter os abusos de sesmeiros e posseiros que detinham grandes porções de terra sem cultivá-las. Em 1842, o governo imperial solicitou à Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado que formulasse modificações e critérios para a obtenção de terras no Brasil. A proposta visava regularizar as concessões de sesmaria e a política de colonização. Este projeto foi apresentado aos deputados, aprovado e jamais posto em prática. Nele constavam estes três dispositivos para a regularização da propriedade territorial: 1) Revalidar as sesmarias caídas em comisso (ou seja, que não cumpriram as condições de doação); 2) Legitimar as posses de período superior a um ano e um dia e que não ultrapassem meia légua quadrada no terreno de cultura e duas léguas nos campos de criação e 3) Registrar e demarcar as posses num prazo de seis meses. Após esse prazo, aplicar multa e, caso após seis anos, não tivessem sido demarcadas nem registradas, seriam incorporadas ao Estado. Por outro lado, ao Estado era atribuído: o imposto territorial anual sobre as terras cultivadas ou não; cobrar taxa de revalidação das sesmarias e legitimação das posses; promover a venda de terras devolutas; proibir novas concessões de sesmarias e proibir novas posses. O período que vai de 1822 a 1850 ficou conhecido como a fase áurea dos posseiros tendo em vista ser a única maneira de “adquirir” terras. Somente em 1850 com a Lei 601 a questão das terras começa de fato a receber atenção do poder público diante da necessidade de atender uma ordenação jurídica que revalidasse as sesmarias e legitimasse as posses que cresciam vertiginosamente e desordenadamente.


A Lei de Terra de 1850 determinava que a terra só poderia ser adquirida através da compra vedando novas concessões de sesmarias e ocupação por posse, excetuando aquelas existentes a dez léguas do limite do território. Esta lei também entendia como terras devolutas aquelas que não se encontravam sob os cuidados do Estado e aquelas que não pertenciam a nenhum particular, sejam estas concedidas por sesmaria ou ocupadas por posse. Com pouco mais de vinte artigos esta lei procurou dar conta de todos os erros cometidos durante o período colonial e nas duas primeiras décadas do período imperial. A partir dela a terra deixou de ser um privilégio para tornar-se numa mercadoria lucrativa. Tanto a Lei 601 de 1850 e sua regulamentação em 1854, revelaram-se um fracasso. Poucas sesmarias foram revalidadas ou posses foram legitimadas conforme exigia lei. O governo imperial abandonou a inspeção de terras públicas em 1878, depois de ter realizado pouquíssimo para impor a lei. Esta não fez senão reafirmar e estimular a tradição latifundiária em nosso país. Em 1876 foi criada a Inspetoria de Terras e Colonização, que perdurou até o final do Império não registrando qualquer avanço na questão da terra.


Durante a Primeira República (1889-1930) a transferência de terras devolutas para a iniciativa privada deu-se de forma intensa, sem precedentes. A questão agrária neste período não avançou nem poderia ao observarmos que os membros das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder. A hegemonia da Política dos Governadores foi quebrada com o golpe de 1930 liderado por Getulio Vargas (1882-1954) que fora derrotado pelo paulista Julio Prestes (1882-1946) para a sucessão do presidente Washington Luiz (1869-1957). A Constituição Federal de 1934 trazia avanços significativos como garantia a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia e justa indenização; determinava que o trabalho agrícola fosse regulamentado, procurando fixar o homem no campo; previa a organização de colônias agrícolas; consagrava o usucapião e obrigava as empresas agrícolas, localizadas longe dos centros escolares, a manter escolas. Entretanto, não houve tempo hábil para que tais dispositivos fossem implementados devido a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas em 1937 quando nos foi outorgada uma nova Carta Magna mais voltada para os problemas urbanos. A Constituição de 1946 resgatou os dispositivos previstos na Carta de 1934 com a anuência dos representantes dos latifundiários, pois sabiam que a obrigatoriedade de indenização prévia em dinheiro inviabilizaria a reforma agrária. Com o grande impulso da industrialização a partir dos anos 1950 os movimentos dos camponeses intensificam-se e radicalizam-se. Os protestos reivindicavam uma reforma agrária que transformasse o sistema de propriedade da terra. Em 1963, surge o Estatuto do Trabalhador Rural, que passa a garantir ao homem do campo o direito ao salário mínimo, férias, repouso remunerado, aviso prévio e à indenização em caso de demissão. O governo João Goulart (1919-1976) cria a Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA). Neste governo a reforma agrária estava presente nos debates políticos, nos partidos, nos movimentos sociais, na Igreja Católica e na opinião pública. Note que mais de 70% da população brasileira estava concentrada nas áreas rurais. João Goulart enfrentou muitos desafios para implantar uma reforma agrária sem obter sucesso. No dia 13 de março de 1964 durante um comício realizado na Central do Brasil assinou decreto desapropriando terras as margens de rodovias, ferrovias e obras públicas. Este ato surtiu efeito contrário ao esperado por Jango (era assim que o chamavam), isto é, obter a aprovação das Reformas de Base no Congresso Nacional. As forças de centro, como o PSD (partido Social Democrata), romperam com o presidente facilitando a eclosão do golpe militar que se encontrava em andamento no dia 31 do mesmo mês. Mas isto é outra história.  Em 30 de novembro de 1964 o governo militar decreta a Lei 4.504 que ficou conhecida como o Estatuto da Terra. Foram criados o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) destinado a dar conta da estrutura fundiária e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola (INDA) responsável pela colonização. Em 1970 estes órgãos fundiram-se criando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O resultado da política agrária do regime militar (1964-1985) foi robustecer o poder do latifúndio tradicional e desenvolver o latifúndio moderno das grandes empresas nacionais e multinacionais financiando a implantação de projetos agrícolas, agroindustriais e agropecuários, inclusive com a apropriação de terras de posseiros e índios. Ao invés de soluções criaram-se mais entraves e, consequentemente, mais conflitos. A reforma agrária deve significar transformações estruturais com o objetivo de distribuir os direitos sobre o uso da terra e o controle de sua produção garantindo que todos participem dos benefícios do desenvolvimento. O governo Goulart demonstrou preocupação e empenho com a questão da terra, porém não contava com uma base de sustentação política suficientemente forte para respaldar seu governo que por pouco nem teria existido tal era a rejeição da direita e das Forças Armadas que resistiram em empossá-lo após a renúncia de Jânio Quadros (1917-1992). As leis em nosso país de uma maneira geral e em particular quando se trata de reforma agrária não se instrumentalizam ou são instrumentalizadas inadequadamente. Os governos ou são latifundiários ou os representam ou encontram-se comprometidos com seus interesses e rompem os limites do público com o privado. Com a extensão territorial brasileira os conflitos pela posse da terra não são justificáveis, porém plenamente explicáveis.

Índio rasgando decisão judicial de reintegração de posse

No inicio da década de 1980 surgiu, no Rio Grande do Sul, o Movimento dos Sem Terra (MST) para dar voz à questão da terra, reivindicar uma reforma agrária e sensibilizar a sociedade despertando-a para o problema. Até ai nada de mais. No entanto, o MST esconde suas reais intenções sob o manto de movimento social, mas, na prática, é uma organização criminosa que invade terras, produtivas ou não; depreda patrimônios públicos e privados; incendeia fazendas e plantações; invadem órgãos públicos, empresas privadas e mesmo bens históricos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional (IPHAN); participam de saques a supermercados e sequestros de caminhões que transportam gêneros alimentícios em companhia dos flagelados da seca na tentativa de comover a opinião pública e aumentar seu poder de pressão junto ao governo. As FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no inicio também se apresentavam como um movimento social com reivindicações que até se justificavam, porém vejam no que se transformou: uma organização criminosa especializada em narcotráfico e sequestro. O MST é a sua versão tupiniquim. Caso o MST houvesse cultivado todas as terras que lhe foram concedidas desde sua fundação haveria um excesso de alimentos capaz de alimentar todos brasileiros e ainda exportar. O MST prossegue impune de suas ações criminosas ao longo de sua existência. A ação mais ousada desta organização criminosa se deu em maio do ano 2000 quando cerca de cinco mil militantes ocuparam prédios públicos em catorze capitais do país, sendo que em três foram sedes regionais do INCRA e em onze escritórios do ministério da Fazenda. Outros 25.000 militantes realizaram invasões pelo interior e passeatas. O objetivo do MST era tomar o poder através de uma revolução e sabe Deus o que viria depois. Em abril do ano passado o movimento promoveu invasões em quinze estados brasileiros. O ministério do Desenvolvimento Agrário em Brasília foi tomado desde as primeiras horas do dia. No Ceará ocuparam a sede do governo estadual e fizeram do espelho d’água banheira para se lavarem e no Rio Grande do Sul, foi invadida uma fazenda que faz testes da vacina contra febre aftosa. As reivindicações por reforma agrária não passa de uma cortina de fumaça para obscurecer os verdadeiros e nefastos objetivos desta organização. A relação dos crimes cometidos por esta entidade é extensa, intensa e intolerável. O MST é uma organização subversiva e terrorista que deve e precisa ser contida e desarticulada. É parte da estratégia da esquerda que lhe abastece o cofre com recursos públicos, estimula a prática de crimes e os afaga carinhosamente. A entidade foi criada para ser o braço armado da esquerda.
 


Além das invasões, ocupações e depredações promovidas pelo MST agora estamos assistindo um ataque generalizado dos indígenas em busca de terras utilizando os mesmos instrumentos do nocivo MST, isto é, invasões, ocupações, depredações, violência física e total desprezo pelas leis brasileiras. Neste último episódio na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, a 70 km de Campo Grande, um índio terena rasgou, diante das câmeras de televisão, cópia da decisão judicial de reintegração de posse. No enterro do índio morto durante o enfrentamento o cacique Argeu Reginaldo (este nome não é o que se pode chamar de nome indígena) declarou: “para nós, esse mandado de reintegração não tem validade”. Bem, se os documentos oficiais do governo brasileiro não são reconhecidos pelos índios pode-se entender que todas as demarcações já efetivadas não tem validade alguma e, portanto, todas as reservas não lhes pertencem bem como todas as leis que os favorecem. A questão de demarcações de terras indígenas não é uma questão de se colocar contra ou a favor de suas reivindicações. O problema é mais sério e exige um exame mais apurado. As causas dos embates e enfrentamentos entre índios e não índios dizem mais respeito à História. O que estamos lidando são com suas consequências já postas e outras que serão apresentadas. Não é novidade alguma que inúmeras ONG’s, nacionais e estrangeiras, vêm atuando junto às comunidades indígenas há décadas doutrinando-as, manipulando-as e insuflando-as a rebeliões, planejando e apoiando tática e financeiramente suas investidas contra fazendeiros, empresas e instituições públicas e privadas. Existem algumas premissas das quais o poder público não deveria abrir mão quando se trata de demarcações, concessões, vendas ou arrendamentos. Entre elas não disponibilizar áreas fronteiriças e de estratégico valor econômico e político que assegurem nossa soberania. Cuidados que sistematicamente são ignorados. Verifica-se que os conflitos entre índios e fazendeiros tem se acirrado após a assinatura pelo Brasil da Declaração dos Direitos das Nações Indígenas pelo ex-presidente Lula e o então ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. Este acordo só valerá no Brasil caso seja ratificado pelo Congresso Nacional. Menos mal, por enquanto. Porém, nada nos garante que uma vez enviado para aquele covil de mercenários seja aprovado com louvor. Neste caso mais de duzentas nações indígenas se arvorarão no direito de proclamarem sua independência política, econômica e administrativa do Brasil recorrendo a organismos internacionais e as nações que patrocinam inúmeras ONG’s voltadas para a “conscientização” indígena no caso do Brasil não reconhecê-los como independentes. Neste ponto estaremos nos envolvendo num conflito do qual certamente sairemos derrotados caso optarmos em desejar manter a unidade territorial. Derrotados moralmente e belicamente, tendo em vista o notório sucateamento de nossas Forças Armadas. As demarcações de terras indígenas efetuadas em nosso país chegam a ser maior do que dois ou três países europeus juntos, reservas destinadas a uma minoria de silvícolas sem condições humanas e materiais de ocupá-las, protegê-las e muito menos fazê-las produzir o que quer que seja, com ou sem sustentabilidade. A questão da terra no Brasil é complicadíssima, porém a questão das demarcações indígenas são milhares de vezes mais delicadas e devem ser conduzidas com muita sensibilidade e habilidade política para que se possa chegar a soluções minimamente satisfatórias. As concessões feitas pelo governo brasileiro comprometem o país política e economicamente acirrando as disputas ou invés de tentar solucioná-las. É óbvio que esta demanda por terras por parte dos índios foi fabricada e os interessados nela são as ONG’s e governos estrangeiros que as financiam. Em julho de 2012 a Advocacia Geral da União (AGU) publicou a Portaria nº 303 que transforma em norma as 19 condicionantes utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 19 de março de 2009. Entre as normas estão a proibição de revisão de terras já regularizadas (só no Estado do Mato Grosso do Sul, na época, estavam sendo realizados estudos para a revisão dos limites de 36 terras indígenas, quase todas ocupadas por guaranis); permite que o governo realize obras de interesse público, como hidrelétricas e estradas, sem consultar as populações indígenas. As ONGs declararam guerra ao governo brasileiro imediatamente. Não é novidade alguma que nas reservas indígenas atuam madeireiros, garimpeiros, mineradores, contrabandistas, pesquisadores, etc. com sua permissão e em troca do vil metal. Não é raro tomarmos conhecimento de índios enriquecidos, e não foi vendendo artesanato ou produtos derivados da caça e pesca.


 Apesar da vasta extensão territorial a questão da terra apresenta-se com uma infinidade de interesses a serem contemplados. Não há mágica que possa contentar a todos, portanto é inevitável o embate e imprescindível a negociação e a disposição das partes em ceder em algum momento para que também lhe façam concessões. A intransigência dos grupos interessados ao longo da História concorre somente para a produção de vítimas, direta e indiretamente, em todos os lados e de todas as maneiras. A sociedade brasileira precisa intervir urgentemente na questão da terra caso aspire qualquer futuro. As demandas em curso têm a capacidade de fragmentar o território semeando a discórdia generalizada e o ódio, estabelecendo o caos e, consequentemente, longas e cruéis disputas. Não se trata de profecia ou visão apocalíptica. Basta examinarmos os fatos e seus desdobramentos para se concluir que a unidade territorial brasileira está seriamente ameaçada. Aconteceu no Império Romano. Aos poucos os “bárbaros” (não romanos) foram se estabelecendo dentro de suas fronteiras desestabilizando-o e o destruindo por completo. Houve até imperadores de origem “bárbara”. Por certo esta não foi a única causa. O processo para a ruína do Império Romano envolve diversos outros elementos, porém, para ilustrar, basta este. Procurar e apontar responsável pelo desastre na questão da terra é o que mais se faz e menos interessa. Ao fim e ao cabo todos os envolvidos são responsáveis (governo; elites agrárias, empresariais e bancárias; agricultores; índios; quilombolas, Forças Armadas, intelectuais, imprensa, sociedade civil, etc.). Uma vez que o problema seja comum a todos os segmentos estes estão obrigados a promoverem um amplo debate formulando sua solução. Decerto uma solução definitiva com a plena anuência de todos mostra-se impossível, posto que sempre haverá descontentes. Porém, sempre é possível um acordo que satisfaça o maior número de interesses. A intransigência é muito mais devastadora e, persistindo, é um caminho seguro para a desintegração do nosso país.


CELSO BOTELHO
12.06.2013